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A pandemia está mudando hábitos de consumo?

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Por Samyra Crespo, especial para a Envolverde –

Em primeiro lugar, vamos contextualizar: além das restrições de circulação, estamos em recessão econômica técnica, isto é – o bolso está mais do que apertado e pesquisas recentes mostram que o consumo de um modo geral encolheu cerca de 3% no País nestes quatro últimos meses.

Este encolhimento afeta os setores econômicos de diferentes maneiras, como no caso das bebidas gaseificadas que perdeu 15 pontos percentuais em suas vendas. Por uma razão muito simples: não estão ocorrendo vendas “casadas” nos bares e restaurantes fechados, onde cervejas e refrigerantes vêm junto com as refeições ou nos happy hours que se tornaram uma verdadeira febre.

Uma notícia veiculada nas redes estes dias, menciona as dificuldades da Coca Cola que além da pandemia (episódica e imprevisível) já vinha sofrendo queda sistemática nas vendas de refrigerantes. Os números são significativos: de 2008 a 2017, vendeu 53% a menos e ao que tudo indica devido a mudanças no padrão de consumo dos jovens, que estão alterando seu padrão de consumo. Segundo a pesquisa, essa geração que é apelidada de millenials pelo marketing (nascida a partir de 2000) estaria migrando para os sucos e bebidas mais saudáveis. Também seria resultado das políticas públicas contra a obesidade infantil e os açúcares e sódios encontrados em alimentos processados.

Embora possa ser verificado que cresce anualmente o número de pessoas que se tornam vegetarianas ou que aderem aos alimentos orgânicos, o fato é que mais de 85% da população brasileira ainda se alimenta com uma dieta bem distante do que seria ideal.

Pesquisa recente sobre o consumo – durante a pandemia – mostra que a presença dos alimentos processados baratos aumentou na mesa dos brasileiros. Explica -se: empregadas e diaristas foram dispensadas, restrições para feiras e idas constantes a supermercados e hortifrutis. Os processados podem ser estocados e não são perecíveis. E não precisam ser “descontaminados” – com a lavagem trabalhosa de embalagens, frutas e verduras.

Assim, neste quesito, a pandemia tem jogado contra a alimentação saudável, ainda que médicos e especialistas alertem para o fato de que a imunidade individual advém principalmente de uma alimentação equilibrada. O delivery de pizzas e assemelhados disparou. Quilinhos a mais previsíveis e sem academias – pois estas retornam com menos clientes.

Outra tendência que a pandemia afetou fortemente está relacionada ao transporte individual e de massa: nosso mantra de cidades inteligentes ou sustentáveis apontava para a demonização do uso do carro e opção pelo transporte público de qualidade (mais cobertura e melhores condições). Tudo isso mudou.

As pessoas se sentem mais seguras em carros (próprios ou Uber higienizados) do que em metrôs e ônibus, cantados e decantados atualmente como um dos principais vetores de transmissibilidade.

Lutou-se durante anos para que todos os ônibus, por exemplo, fossem refrigerados. Agora as companhias devem estar rindo de orelha a orelha: andam com o ar desligado e as janelas abertas por questões sanitárias. O calor do verão vem aí – imagina a temperatura nestes veículos e a sensação de estar fritando, agravada pelas máscaras? Inferno que faz o carro parecer um paraíso. Em outras palavras, o carro voltou a ser uma opção. Mesmo elétrico ou a gás – péssimo para os engarrafamentos.

Não falem por favor da bike e do pedestrianismo em uma sociedade que está envelhecendo e com ruas intransitáveis e cada vez mais perigosas.

Outro aspecto bastante alterado pela pandemia é a vida outdoor, sinônimo de exercício, sol, conexão com a natureza e vida saudável. E socialização.

Com interdição de praias, parques, viagens e até vias públicas (o que ainda ocorre no sistema de lockdown intermitente que temos adotado) todo esse estilo de vida fica adiado e comprometido.

E vejam, que estamos falando das grandes e médias cidades, onde se concentra a maior parte da população.

Nem tocamos na realidade das periferias ou comunidades.

Sem esgotar os panos para as mangas que este tema – vastíssimo – dá, voltarei amanhã para comentar outros pontos que me parecem dignos de nota neste assunto.

A pergunta de fundo é: estamos migrando para padrões de consumo mais sustentáveis?

Aguardem o próximo texto. Como tudo que é complexo, a resposta é: sim e não.

Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”. Foi vice-presidente do Conselho do Greenpeace de 2006-2008.

* Este texto foi escrito para o Site Envolverde e faz parte se uma série que venho publicando desde março do ano passado.

 

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