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por Flávia Ribeiro* –
Pouco antes da pandemia e das recomendações para o confinamento doméstico, o Rio de Janeiro enfrentou uma grande crise de fornecimento de água limpa para a população. Com a crise do Covid-19, os cuidados com a água necessitam de atenção, em especial, em prol da adoção rigorosa de hábitos de higiene por toda população. Será que, distraídos com o cenário devastador no âmbito social, ambiental e econômico, aprendemos as lições e estamos prontos para as próximas ondas de água contaminada que vêm por aí?
O período pós-pandemia pode ser um indutor para acelerarmos o processo de melhoria do abastecimento de água e tratamento de esgoto em todo o Brasil. Com a aprovação do novo marco regulatório do saneamento pelo Senado, nascem novas regras para a universalização dos serviços de água, esgoto e também para erradicação dos lixões.
É inadmissível adiarmos essa agenda. Percebo que, parte do problema, é agravado pelo descaso de quem – ao apertar o botão da descarga sanitária – pouco importa para onde vai o cocô. O esgoto é algo invisível para parte da sociedade e gera um dano imenso também à economia. Estamos ávidos pela descoberta da vacina do coronavírus, mas dispersos sobre a conexão entre o desemprego e as condições básicas de saúde pública. Onde está a entrega do que é básico a dignidade humana e como isso impacta todo o contexto atual?
Sem água e energia, não operamos os hospitais e garantimos a vida. Os indicadores são estarrecedores e estão escancarados por diversas instituições. De acordo com um estudo “A importância da concorrência para o saneamento básico” da Confederação Nacional da Indústria (CNI) de 2019, cerca de 100 milhões de brasileiros não possuem acesso à coleta de esgoto e 17% da população não dispõe de abastecimento de água potável. Ou seja, como mais da metade do País está enfrentando essa pandemia?
É preciso um manifesto da sociedade civil por ações que protejam o cidadão nesse momento de inércia que o setor vivencia. Melhorias na qualidade da água, no saneamento básico e nas condições de higiene da população poderiam reduzir significativamente o número de doenças. Dados do DATASUS demonstram que milhares de leitos de hospitais são ocupados em função de doenças de veiculação hídrica como diarreias.
Vivemos em um planeta “salgado” porque somente 3% da água do mundo é doce e parte dela está bem poluída. A educação para o combate ao desperdício de água, por exemplo, está na comunicação clara de que um 1 minuto de banho de ducha pode economizar 16 litros de água, a produção de uma calça jeans consome 10 mil litros de água, 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água tratada. Segundo o “esgotômetro”, disponível no site do Instituto Trata Brasil, mais de 1,5 milhão de piscinas olímpicas de esgoto foram lançadas ao meio ambiente no Brasil desde 1º de janeiro de 2019.
O momento atual exige a construção de arranjos colaborativos institucionais do governo, setor privado e sociedade civil para adoção de medidas urgentes. Nesse contexto, no último dia 14 de abril, a Câmara Municipal sancionou a LEI Nº 6.735, que cria o Fundo Emergencial de Combate à COVID-19 – FECC, destinado ao enfrentamento dos efeitos da pandemia do novo coronavírus no Município do Rio de Janeiro.
De acordo com um relatório da Frente Parlamentar com a Finalidade de Acompanhamento da Situação do Saneamento no Município do Rio de Janeiro, produzido em 18/02/20 e liderado pelo vereador Alexandre Arraes, há inquéritos sobre sistemas de coletores de esgoto em favelas, estações de tratamento de esgoto condominiais e redes coletoras de esgoto ociosas, por exemplo, que investigam o saneamento na AP4 pelo MP-RJ. É impressionante como temos uma enxurrada de leis como a Lei do Saneamento, Lei nº 11.445/2007, mas que precisam de vigilância permanente dos cidadãos para serem cumpridas.
Um estudo recente feito pela Firjan – com as informações disponíveis pelos municípios – mostra que o Estado do Rio de Janeiro trata apenas 35% de seu esgoto dos 67% coletados no Estado. A meta para 2023 do Plano Nacional de Saneamento Básico para o Rio é de 92% de atendimento da rede. Para isso, seria necessário investimentos da ordem de R$ 22,6 bilhões. Com o cenário de restrição de orçamento público, parece que não há outra saída senão dar as mãos ao setor privado. Não vemos a marca da água que sai da nossa torneira, mas se ela viesse com etiqueta talvez seríamos ouvidos?
“Um dos grandes problemas é a falta de concorrência e a capacidade de gestão do setor. Precisamos de metas claras de investimentos e atendimentos. O Guandu é uma estação de tratamento quase de esgoto e não de água”, diz o fundador e embaixador do Instituto Trata Brasil, Raul Pinho. Além disso, temos o grande desafio de ampliar a conscientização da população: “Ao apertarmos a descarga, descartamos o problema”.
A Zona Sul do Rio de Janeiro despeja mais de 20 mil quilos de lixo irregular em ralos, pias e vasos sanitários de materiais como cotonetes, absorventes, cabelo, medicamento, papeis, preservativos e restos de comida. Fichas que não caíram, irão cair. Dá-se valor ao asfalto, ao lixo que incomoda, à necessidade do letramento digital. A realidade é bem diferente. Há um desafio enorme de comunicar a questão do uso consciente da água em tempos onde higiene é prioridade e essencial para a saúde. Água, energia e comida, claro, não “caem do céu”.
Finalmente, a comunicação efetiva do consumo responsável é essencial para a nossa vida. Acesso à água de qualidade para higiene é tão importante como o uso de máscaras. O futuro é sempre uma aposta. Prefiro acreditar que a humanidade possa exercitar a sua cidadania de forma mais consciente no “novo”normal.
Para isso, é preciso promover atitudes que inspirem novos hábitos. Um bom exemplo é a nova campanha da Habitat para a Humanidade Brasil: #UmaMãoLavaOutra. A iniciativa pretende arrecadar R$ 138 mil e impactar pelo menos 30 mil pessoas por dia com a instalação de 100 pias comunitárias em comunidades de 9 estados do Brasil. As pias comunitárias ficarão em pontos estratégicos da comunidade, para que os moradores possam lavar as mãos antes de usar o transporte público ao sair de casa e, ao retornar, possam se higienizar antes de entrar nas ruas e vielas da comunidade, e nas suas casas. O link para saber mais é https://www.catarse.me/umamaolavaoutra.
Navegamos entre a realidade e a promessa da garantia de direitos fundamentais que o progresso e a agenda do desenvolvimento sustentável deveriam proporcionar. Acredito que a sociedade civil possa emergir com um papel transformador e ativista nesse processo. Um olhar propositivo e a capacidade de escuta ativa pelo governo e pelas empresas do atendimento a necessidades básicas é crucial. Sairá na frente quem souber priorizar as ações que respeitem, incluam e engajem todos os públicos interessados na voz de suas marcas.
* Flávia Ribeiro é jornalista e consultora
Jornalista formada pela PUC-Rio, atua há 25 anos em Jornalismo, Comunicação Empresarial, Relações Públicas e, nos últimos 13 anos, também como consultora na área de Sustentabilidade para grandes empresas e ONGs. É pós-graduada em Marketing pela ESPM-RJ. Cursou o MBE em Responsabilidade Social e Terceiro setor na UFRJ. Graduada em Direito em 2012, acredita na transformação da sociedade através do Social Advocacy. Foi coordenadora de comunicação do CEBDS e Gerente de Comunicação para a World Animal Protection no Brasil, entre 2010 e 2014, quando trabalhou pela inclusão da agropecuária sustentável e do bem-estar animal na agenda da Rio+20. Membro da Rede de Mulheres Brasileiras Líderes para a Sustentabilidade, é colunista de Plurale e atua em diversos comitês em prol da proteção do meio ambiente.
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