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por Elaíze Farias, Amazônia Real –
Entre agosto de 2019 e julho de 2020, o estado teve uma taxa de desmatamento de 1.272 km², segundo dados do Inpe
Pelo terceiro ano consecutivo, o estado do Amazonas bate recordes de queimadas e incêndios florestais. Conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre 1º de janeiro e 16 de agosto de 2018, foram detectados 2.662 focos de queimadas no Amazonas; em 2019, foram 6.315 focos (alta de 147%); e em 2020, subiu para 7.098 focos (alta de 7%), neste mesmo período.
A intensidade dos incêndios florestais só é possível observar do alto. Imagens registradas pelo sobrevoo realizado pela agência Amazônia Real, entre os dias 9 e 12 de agosto, mostram as queimadas avançando e árvores como seringueiras e castanheiras, e outras espécies com mais de 40 metros de altura, em chamas.
Cenas desoladoras, como de carcaças de animais carbonizados – cobras, tamanduás e cotias – que tentaram fugir do fogo na floresta também foram registradas pela agência Amazônia Real.
Brigadistas do PrevFogo, grupo vinculado ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), tentam desde julho apagar as queimadas na região de Apuí, o município do sul do Amazonas mais afetado pelo fogo em 2020. Esta região do estado enfrenta a maior pressão de frentes de desmatamentos, grilagem de terra, exploração madeireira e avanço de agronegócio e da pecuária.
A reportagem apurou que o PrevFogo conta com apenas 31 brigadistas para apagar grandes extensões de matas em Apuí e municípios próximos. Todos eles foram contratados temporariamente para a operação. O Ministério do Meio Ambiente não respondeu à reportagem se enviou estrutura do Ibama para o sul do Amazonas para apoiar no combate às queimadas.
As queimadas estão proibidas pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), conforme Decreto 10.420 publicado no dia 16 de julho de 2020 no Diário Oficial da União. Mas os responsáveis pelas queimadas não dão trégua e não são punidos. Na semana passada, em discurso na 2ª Cúpula Presidencial do Pacto de Letícia, Bolsonaro declarou que “essa história de que a Amazônia arde em fogo é mentira”. (leia a reportagem que abriu a segunda série Amazonas em Chamas 2020).
Desde o dia 8 deste mês, uma equipe de militares do Exército da Operação Brasil Verde 2, coordenado pelo Ministério da Defesa, está no município, mas as queimadas persistem. Procurado, o Ministério da Defesa não respondeu às perguntas sobre quais são as ações que o Exército está realizando no sul do Amazonas.
O discurso corrente adotado por autoridades públicas de que o Amazonas preserva a floresta e combate ao desmatamento, queimadas e infrações ambientais está muito distante da realidade. O mês com mais focos de queimadas em 2020 no estado foi julho, que bateu o recorde histórico de 22 anos, com registros superiores aos de 2005, ano em que o estado passou por uma estiagem severa e de grande magnitude.
Foram 2.119 focos no mês passado no Amazonas, contra 1.371 em julho de 2019 – ou 54,5%. Desde 1998, quando o Inpe iniciou o monitoramento de queimadas no país, o maior número de focos detectados em julho no Amazonas era o de 1.894, registrado há 15 anos.
“O monitoramento mostra que as detecções ultrapassaram o valor de 2005, ano em que foi registrada uma estação de seca significativa no Amazonas. A partir de 15 de julho, os focos foram notáveis. Isso é um dado muito preocupante. Nos últimos anos, não tivemos nada tão intenso quando agora no Amazonas. O final de julho, foi o pior período”, disse o coordenador de monitoramento de queimadas do Inpe, Alberto Setzer, à reportagem.
Histórico de focos de calor no Amazonas do mês de julho entre 1998 e 2020 – clique no link abaixo:
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Um alerta ao sul do estado
Um estudo do Instituto de Pesquisas Ambiental da Amazônia (Ipam) publicado em junho deste ano já indicava que as queimadas atingiriam a intensidade mais grave no final daquele mês e em julho. O estudo pedia urgência “em ações firmes e estruturadas pelos governantes e os órgãos públicos para combater o desmatamento e, principalmente, as queimadas”. Diz trecho: “o foco deve ser dado onde há acúmulo de áreas desmatadas e não queimadas entre janeiro de 2019 e abril de 2020”.
O Ipam dizia no estudo que se for considerado que tradicionalmente os meses com maiores índices de desmatamento são maio, junho e julho e mantidas as mesmas taxas de desmatamento na Amazônia registradas entre maio a junho de 2019 (3.930 km2, segundo o Deter), é esperado que essa área desmatada e não queimada dobre até final de julho.
No mesmo estudo, o Ipam alertou que, no Amazonas, os municípios de Apuí, Nova Aripuanã e Boca do Acre concentram muitas áreas passíveis de queima.
Entre agosto de 2019 e julho de 2020, o Amazonas teve uma taxa de desmatamento de 1.272 km², segundo dados do Deter, programa de monitoramento mensal do Inpe, que passa por revisões no final do ano, para ser consolidado pelo Prodes.
“O Amazonas está sendo comido. Está sendo apropriado pela máfia da grilagem. Esta estação [de 2020] de fogo está perdida [no estado]. Muita coisa já foi desmatada. O fogo é uma consequência do desmatamento. É a grilagem que está fazendo isso”, disse Ane Alencar, cientista especialista em incêndios florestais e queimadas do Ipam, em entrevista à Amazônia Real.
Focos de calor no Amazonas por ano comparados por períodos
Apuí fica localizado à margem da BR-230 (Transamazônica). O município foi criado a partir de um projeto de assentamento – o Juma – que se expandiu para zona urbana. A maior parte de sua população é de migrantes do sul do país. Mesmo com a pressão do desmatamento, o município possui áreas de floresta protegidas que integram o Mosaico do Apuí. Além das Terras Indígenas, as Unidades de Conservação são algumas das poucas áreas de floresta preservadas no sul do Amazonas, mas tornaram-se alvos constantes de deputados do Amazonas que defendem a revisão e redução de muitas destas áreas.
Segundo Ane Alencar, para combater crimes ambientais, é necessário ações que não se limitem a medidas emergenciais e paliativas, como fechar madeireira e multar infratores. Ela diz que é preciso um serviço de inteligência, com o Ibama e a Polícia Federal atuando conjuntamente, como faziam antes, para encontrar e punir os criminosos e impedir os ilícitos.
“Não é o Exército que vai fazer isso. O Exército apoia. Não é fechar madeireira que vai combater. O que vai combater é a inibição da criminalidade. Se a quadrilha não é presa, a grilagem e a impunidade continuam”, salientou Ane Alencar.
A grilagem não é um fenômeno novo na Amazônia e nem no sul do Amazonas. Associada à violência no campo, ameaça a antigos ocupantes e à concentração fundiária, ela faz parte de vários ciclos de expansão econômica na região.
Os grileiros operam de diferentes maneiras para legalizar áreas: registros falsos de títulos em cartórios de extensos domínios, matrículas fraudadas e ampliação de terras a tamanhos exorbitantes e ilegais, etc. Mas segundo especialistas ouvidos pela reportagem, as grilagens aumentaram nos últimos anos e se agravaram em 2019 e 2020 no Amazonas.
Encorajados pelo discurso do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido) que incentiva crimes ambientais, os grileiros e os “compradores” encontraram segurança para validar, com novas legislações, as ocupações o patrimônio público. É o caso do Projeto de Lei de regularização fundiária, chamado por opositores de Lei da Grilagem, que tramita no Congresso Nacional e defendido pela bancada ruralista.
Ambientalista e doutor em Ciências Biológicas pelo Inpa, Carlos Rittl afirma que os criminosos ambientais e os que invadem as terras públicas com a expectativa de lucrar com a sua venda irregular encontraram um parceiro ideal em Bolsonaro.
“O presidente Bolsonaro olha para os crimes ambientais e o tempo todo está prometendo legalizá-los. Ele enviou uma medida provisória e projeto de lei que visava a legalização das terras públicas de maneira ilegal em áreas ocupadas até 2018 que eram latifúndios. Não estamos falando de legalização fundiária para reconhecer o direito de agricultor e de comunitários. A intenção do presidente Bolsonaro é permitir que aqueles que invadiram e destruíram terras públicas saem lucrando; que eles se beneficiem desse crime. Isso incentiva a ocupação de mais terras, pois cria a expectativa que, em algum momento, aquilo vai gerar lucro para quem invadir, ou desmatou e quem colocou capim e boi em cima do pasto”, avalia Rittl.
Segundo Rittl, o discurso de campanha de Bolsonaro voltado para o combate da criminalidade só vale, na teoria, para criminalidades que acontecem nas cidades e zonas urbanas. Ele diz que, quando o assunto é floresta e meio ambiente, o criminoso se sente amparado pelo presidente Bolsonaro, nos discursos e nos diversos encontros que ele e seus ministros tiveram.
“Madeireiros ilegais, grileiros, garimpeiros da mineração que envolve muito dinheiro invadiram terras públicas, terras indígenas. O presidente Bolsonaro não faz outra coisa além de prometer que vai resolver isso. Então todo mundo que tem a intenção de cometer um crime se sente incentivado”, alerta.
“O que está acontecendo, de fato, é um investimento. Essa grilagem e essas queimadas são investimentos. Eles sabem que vão ter retorno e esse retorno é assegurado pela agenda anti-ambiental do governo Bolsonaro, do ministro Ricardo Salles, de todo o gabinete”, completa Rittl.
Grilagem aumenta incêndios
À Amazônia Real, o prefeito de Apuí, Antônio Rogue Longo (DEM), também atribuiu ao aumento da grilagem a ocorrência de grandes incêndios no município em 2020. Mas ele já havia dado essa explicação em 2019, durante os incêndios florestais e queimadas daquele ano.
“Este ano de 2020 está tendo mais queimadas que nos anos anteriores. Existe uma quadrilha de grilagem de terras da União que faz documentos falsos e vende para empresários de não sei de onde são, acho que de outros estados. E esses que compraram mandaram derrubar grandes matas estão fazendo grandes queimadas. Eu acredito que a PF está investigando, mas não tenho certeza”, disse o prefeito à Amazônia Real.
O prefeito também reclamou da ausência dos órgãos dos governos estadual e federal na região no período que antecede as queimadas. “Eles deveriam estar mais presente já no início do ano. Essa é a grande verdade”, disse Longo.
Segundo Roque Longo, a equipe de brigadistas do PrevFogo que está no município não tem capacidade e nem estrutura para apagar os incêndios que queimam a floresta neste momento.
“Eles podem combater queimadas leves, de pasto. Agora, essa queimada de mata, ninguém chega perto. São muitas derrubadas grandes. De 300 hectares, 500 hectares, de 1.000 hectares. Nem corpo de bombeiros apaga. Para combater isso, apenas as forças federais e estaduais. Mas eles precisam estar aqui o ano todo para evitar as derrubadas. Não deixar para agora”, contou.
Pressão pela BR-319 agrava situação
O geógrafo Carlos Durigan, diretor da organização WCS Brasil, observa que as queimadas no sul do Amazonas se agravaram nos últimos anos, especialmente a partir de 2015. Segundo ele, trata-se de uma situação que “há algum tempo vem sendo escamoteada pelos governos”. Durigan diz que a pressão do desmatamento já se agrava com a perspectiva de pavimentação da BR-319.
“É um aumento expressivo e bastante preocupante no eixo da 319, onde já tem a pavimentação nos dois extremos. Isso tem a ver com o processo de ocupação intenso que está acontecendo ali e que deve aumentar agora com a proposta de pavimentação da área do meio [da rodovia]. A estrada vai funcionar para abertura mais intensa de áreas, muitas delas ocupadas irregularmente. Isso não apenas em áreas pública sem destinação, mas também em áreas protegidas, territórios indígenas e comunidades não indígenas”, disse.
Conforme Durigan, o avanço expressivo em áreas de terra firme e várzea, demonstra que os ocupantes não estão preocupados com os impactos nos recursos hídricos. Segundo Durigan, durante o período seco, uma vez que essas áreas perdem a vegetação natural, as populações que ocupam acabam potencializando o plantio de pastagem.
“Na parte do sul do estado, perto dos municípios de Humaitá, Apuí, Novo Aripuanã e Borba, a situação é de descontrole completo na ocupação do território. Uma falta de planejamento e de fiscalização que só abre terreno para o malfeito. Há muitos relatos relacionados à ocupação de terras. Vão desde terras públicas ainda não destinadas a terras de unidades de conservação e terras de territórios indígenas”, afirma.
Durigan diz que a perspectiva é que toda a área central da malha rodoviária da BR-319 seja ocupada, iniciando um processo de degradação intenso que vai afetar até uma bacia hidrográfica ainda pouco afetada – o rio Purus -, de onde sai grande parte do pescado que abastece a região metropolitana de Manaus.
“No futuro, a bacia vai ser impactada e pode ter toda essa riqueza natural afetada por essa situação, além das invasões e ocupações irregulares das terras indígenas e unidades de conservação”, diz Durigan.
O que dizem as autoridades
Procurado para responder que ações está realizando para combater as queimadas, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) disse que há uma equipe em Apuí e que, até na quinta-feira (13), foram aplicadas R$ 15.442.600 milhões em multas.
“O Ipaam ressalta que a ação não visa o aumento de multas, mas a diminuição do desmatamento ilegal, redução de queimadas, a fumaça, a fuligem e demais implicações causadas pelo desmate e queima ilegal”, diz nota do Ipaam. O órgão não informou os nomes dos infratores e das localizações afirmando que “não pode divulgar enquanto o processo estiver em andamento, uma vez que os infratores têm um prazo para recorrer junto ao órgão”.
Procurada, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Amazonas (Sema) disse que o governo realiza atualmente no sul do Amazonas a Operação Curuquetê 2 de combate ao desmatamento e queimadas ilegais, desde que foi decretada a emergência ambiental, em 21 de maio. Segundo a assessoria, a operação envolve equipes do Batalhão Ambiental da Polícia Militar, Polícia Civil, do 54º Batalhão de Infantaria de Selva (BIS) de Humaitá, Defesa Civil, do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) do Ibama e de brigadistas municipais.
“Em alinhamento às ações de campo, a Sema coordena, com apoio da Aliança para o Desenvolvimento Sustentável do Sul do Amazonas, reuniões quinzenais com as secretarias municipais de Meio Ambiente e instituições federais, para atualização do panorama por município e definição de melhores estratégias de enfrentamento”, diz nota.
Segundo a assessoria, a Sema está na fase final de aprovação, junto à Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz), para uso dos recursos de repatriação da Operação Lava Jato. Serão inicialmente R$ 56 milhões para implementação do Plano de Prevenção e Controle ao Desmatamento e Queimadas (PPCDQ-AM) – lançado em junho deste ano -, que prevê ações interinstitucionais voltadas para a regularização fundiária e ambiental, fortalecimento da fiscalização, combate às queimadas e incentivo à bioeconomia.
Indagado pela reportagem, o órgão não se manifestou sobre o aumento de queimadas no Amazonas e os motivos.
O Ministério Público Federal no Amazonas enviou nota à reportagem informando que “acompanha as políticas públicas de enfrentamento a queimadas e desmatamentos no Amazonas” e que “tem cobrado do Estado medidas mais efetivas para implementação do Plano de Prevenção e Controle ao Desmatamento e Queimadas no Amazonas (PPCDQ), especialmente o fortalecimento das equipes locais de brigadistas, considerando a incapacidade operacional de as forças de comando e controle do Estado do Amazonas se fazerem presentes em todos os municípios com alta incidência de queimadas”.
“Nesse momento, o MPF está cobrando a formulação de outro plano específico para ações de comando e controle, já que o PPCDQ é bastante transversal e contempla políticas públicas diversas de enfrentamento ao desmatamento, com resultados esperados de curto, médio e longo prazo. O órgão entende que, diante do contexto de crise, as ações de comando e controle devam ser focalizadas e priorizadas, sem prejuízo do andamento de projetos estruturantes paralelos”, diz nota.
O Ministério da Defesa, o Ministério do Meio Ambiente e a Vice-Presidência da República não responderam às perguntas da Amazônia Real.
Imagem de Destaque: queimadas em área de floresta no sul do Amazonas feita em agosto de 2020 (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)
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