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por Thais Borges e Maurício Torres, de Mongabay –
“Imagine ser uma agricultora, viver na Amazônia e acordar todas as manhãs com medo de criminosos que rondam sua casa em motocicletas, que simulam túmulos no seu quintal”, disse Caroline Edelstam, convidando o público a vestir a pele de Osvalinda Alves Pereira durante a cerimônia virtual de entrega do Prêmio Edelstam, em 24 de novembro do ano passado. A trabalhadora rural radicada no Pará é a primeira brasileira a receber a premiação sueca, concedida a pessoas que contribuíram de forma excepcional, e com grande coragem, para a defesa dos Direitos Humanos.
Ameaçada por milícias madeireiras há uma década, Osvalinda vive no Projeto de Assentamento Areia, no município de Trairão, no sudoeste do Pará. A área, destinada à reforma agrária, é porta de entrada para um corredor de áreas protegidas muito cobiçadas por madeireiros ilegais.
O Pará é hoje o estado com o maior número de registros de conflitos pelo uso de terras e recursos naturais. Segundo a Comissão Pastoral da Terra, entre 1985 e 2017, 702 pessoas foram assassinadas por conflitos agrários no estado, e apenas 22 casos foram julgados.
“Aqui é um lugar que foi esquecido pelo governo. Ninguém olha pra gente. Aqui o que manda é o dinheiro, é quem tem poder”, diz Osvalinda, em vídeo enviado para a cerimônia. Em 2012, quando montou uma associação de mulheres para capacitar os agricultores e difundir o projeto agroflorestal já consolidado em seu lote, a agricultora recebeu uma proposta inusitada de madeireiros e fazendeiros: ela deveria encerrar as atividades da associação e montar uma guarita para controlar o tráfego de caminhões madeireiros, mediante cobrança de propina.
Àquela altura, o trabalho de Osvalinda gerava dois inconvenientes para o esquema criminoso: rompia com as relações de dependência impostas pelos madeireiros, já que criava alternativa de trabalho e renda para os assentados então submetidos a condições análogas à de escravos na extração madeireira; e atraía visitas de ONGs, cujos carros costumavam ser confundidos com os dos órgãos de fiscalização ambiental.
As ameaças começaram quando Osvalinda e seu marido Daniel ousaram recusar a proposta. A partir desse ponto, intimidações feitas por pistoleiros armados e rondas de motos tornaram-se frequentes. Em 2018, o casal encontrou duas sepulturas com cruzes cavadas a 100 metros de casa. Os dois foram retirados do assentamento Areia pelo Programa Federal de Proteção a Defensores de Direitos Humanos e passaram 18 meses abrigados em diferentes cidades. Há quatro meses, no entanto, decidiram voltar. Não demorou e, novamente, foram revisitados pelo terror: receberam a informação de que um pistoleiro foi sondado para matá-los por R$ 90 mil.
A notícia do prêmio internacional foi recebida com entusiasmo e receio: “Fiquei feliz não só por ganhar o prêmio, mas porque o mundo lá fora estava vendo a nossa luta, porque não estamos sozinhos. Ao mesmo tempo, pode ser que a raiva por aqui aumente quando as pessoas ficarem sabendo. Então temos que nos cuidar. A gente só tem uma moto como meio de transporte, e quando preciso ir à cidade, a sensação é de que vou tomar uma bala nas costas”, afirma Osvalinda.
O prêmio foi instituído em memória do diplomata e embaixador sueco Harald Edelstam (1913-1989). A coragem civil é um critério central na escolha de um candidato vencedor. Edelstam tornou-se célebre ao quebrar protocolos diplomáticos para ajudar centenas de judeus e militantes da resistência a escapar da perseguição nazista na Noruega. Ele também ajudou a salvar mais de 1,3 mil pessoas da prisão ou da morte nos meses que se seguiram ao golpe militar de 11 de setembro de 1973 no Chile.
Durante a cerimônia de premiação, Osvalinda recebeu os cumprimentos do primeiro ministro da Suécia, Stefan Löfven, e da Alta Comissária para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet. “As ações de defensores de Direitos Humanos como Osvalinda são profundamente benéficas a todos nós. Ao reconhecer a Sra. Pereira, nós também honramos a todos aqueles que defendem Direitos Humanos, incluindo o nosso direito a um meio ambiente saudável”, ressaltou Bachelet. A representante da ONU destacou também que todos os estados nacionais da região amazônica têm o dever de agir para prevenir danos à floresta e proteger os defensores socioambientais. “A impunidade é um combustível para perpetuar as ofensivas contra os defensores”, concluiu.
No Brasil, a premiação repercutiu nos principais jornais e nas redes sociais. A ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva afirmou no Twitter: “Que o reconhecimento internacional do trabalho de Osvalinda possa servir como mais um alerta para as autoridades brasileiras sobre a necessidade e a urgência de garantir a proteção de sua vida e de seus familiares”.
No assentamento onde vive Osvalinda, entretanto, a notícia desencadeou o violento roteiro já conhecido pela líder comunitária. No fim de semana seguinte à premiação, a família acordou com os latidos dos cachorros de madrugada. “Entraram aqui, arrancaram a placa do projeto agroextrativista e jogaram na estrada. Entendemos como um recado”, diz a defensora.
Em dois dias, Bolsonaro mudou de ideia. Anunciou que não iria citar nenhum país, mas empresas sediadas no estrangeiro que estariam comprando madeira ilegal. Não fez o que prometeu. E não poderia, já que toda madeira exportada, ainda que tenha origem ilícita, sai do Brasil com um verniz de legalidade.
Suely Araújo conhece bem os complexos problemas relacionados ao controle da ilegalidade da madeira. Além de ter sido presidente do Ibama, é especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima. Ela explicou à Mongabay que toda madeira exportada tem alguma documentação. “Pelo volume, é complicado esconder madeira na saída do país, alguma documentação a madeira exportada terá, provavelmente no mínimo o DOF [Documento de Origem Florestal], ou guia estadual equivalente nos estados que têm sistema próprio de controle”.
Entretanto, o fato de a madeira ter essa licença está longe de garantir que o produto é legal. Em 25 de fevereiro deste ano, em pleno carnaval, o presidente do Ibama, Eduardo Bim, atendeu à demanda de madeireiros e mudou a Instrução Normativa n° 15/2011 (IN15), do próprio órgão, que exigia que a madeira exportada fosse fiscalizada no porto, e reduziu a exigência somente ao DOF, um documento preenchido pelo próprio madeireiro e que, na prática, servia apenas para que a madeira fosse levada transportada. Especialistas do Ibama – técnicos de carreira, e não indicados pelo governo Bolsonaro – manifestaram-se contra a revogação da IN15, mas foram ignorados.
Bom exemplo dessa fraude revestida de documentos oficiais foi vista no rio Mamuru, na divisa do Pará com o Amazonas, onde, no dia 15 de novembro, quatro balsas desciam o rio, rumo a Belém, carregadas com 6 mil metros cúbicos de madeira. Uma das balsas ter encalhado facilitou uma operação de fiscalização, e a Polícia Federal apurou que toda a madeira contava com o DOF. Entretanto, o documento atestava que a carga era de madeiras comuns e baratas, ao passo que a carga continha espécies raras e caras, como o ipê.
O esquema é semelhante ao que ameaça Osvalinda. De acordo com monitoramento realizado pelo Instituto Socioambiental, apenas em 2017, as madeireiras saquearam 23 mil métricos cúbicos de Ipê de um maciço florestal formado por áreas protegidas, usando como rota de escoamento uma estrada que passa pelo assentamento Areia. As cargas foram avaliadas em R$ 208 milhões.
Desmatamento cresce novamente sob a administração Bolsonaro
“A extração ilegal só tem crescido por aqui”, disse Osvalinda. A tendência de aumento nos crimes ambientais se confirma pelo anúncio de que o desmatamento da Amazônia entre agosto de 2019 e julho de 2020 atingiu o maior patamar em mais de uma década. Foram 11.088 km² de devastação, o que representa um aumento de 9,5% em relação aos dados consolidados pelo Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes) no ano anterior. E, apesar disso, houve uma vertiginosa queda nas autuações por esse crime. Em relação à extração madeireira, segundo dados do Ibama, em 2018 foram aplicadas 1.903 autuações. Em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, apenas 1122 e, em 2020, até o mês de setembro, foram apenas 517 autuações.
Para Suely Araújo, a redução nas autuações reflete diretamente compromissos de campanha de 2018 de Bolsonaro, quando o então candidato atacava a fiscalização ambiental, prometendo se pôr contra o que ele chamava de “indústria das multas”.
Segundo explica Araújo, “a partir de janeiro de 2019, Ibama e Instituto Chico Mendes passaram a ser desestruturados e deslegitimados publicamente pelo presidente e outras autoridades governamentais. Coordenadores com liderança relevante na equipe de fiscais foram retirados de [seus] cargo[s] após a realização de operações de fiscalização ambiental bem-sucedidas. A decisão sobre as operações de campo na Amazônia foi delegada aos militares, que têm muito pouca experiência no tema. É um quadro triste de desmonte, as promessas direta ou indiretamente expostas na campanha eleitoral estão sendo concretizadas”.
De acordo com o procurador da República Gabriel Dalla, que acompanha o caso de Osvalinda, essa desestruturação das atividades de fiscalização ambiental pode conduzir a uma exposição ainda mais exacerbada de defensores de direitos humanos que se oponham à realização da prática ilícita. “A menor intervenção e disposição estatal em coibir a realização dos atos ilícitos, tal como a exploração ilegal de madeira, pode conduzir a um sentimento – falso, ilegal e inconstitucional – de legitimação por parte de quem realiza tais atos. Nesse contexto, uma das consequências possíveis é a adoção de comportamentos mais agressivos e reiterados em desfavor das pessoas identificadas como detratoras da atividade”.
Para o procurador, a recente premiação internacional de Osvalinda joga luz sobre o tema e torna evidente que “a preocupação com a proteção da floresta amazônica e de quem a defende intransigentemente – e com altos custos pessoais – é objeto de interesse, atenção e acompanhamento próximo pela comunidade global”.
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