Cientistas brasileiros reescrevem a história do gênero humano - Ecoo

Cientistas brasileiros reescrevem a história do gênero humano

“Acho que nossa pesquisa vai encerrar de vez essa discussão”, disse Neves. A variabilidade dos crânios de Dmanisi, segundo ele, “é exatamente o que se esperaria de uma espécie transitória”.

Nesse caso, então, o Homo erectus teria evoluído primeiramente no Cáucaso, e só depois migrado para dentro da África, onde seus fósseis mais antigos datam, também, e só começam a aparecer por volta de 1,8 milhão de anos atrás.

“O grande desbravador”

Além da diversidade de Dmanisi, uma saída precoce do Homo habilis da África também ajudaria a explicar a descoberta recente de artefatos de pedra lascada em Shangchen, no leste da China, com 2,1 milhões de anos — ou seja, anteriores ao Homo erectus. Neves acredita que elas, também, tenham sido produzidas pelo Homo habilis — o que significaria que o Homo habilis não só foi o primeiro a sair da África, como o primeiro a ocupar a Eurásia.

“O grande desbravador foi o habilis”, afirma Neves. O Homo habilis era bem menor do que o Homo erectus, tanto em estatura (1,20 m x 1,75 m) quanto em volume cerebral (650 cm3 x 850 cm3), mas já era bípede e perfeitamente capaz de caminhar longas distâncias, garante Neves.

Mais audacioso ainda, ele sugere que o Homo habilis — e não o Homo erectus — foi a espécie que deu origem ao Homo floresiensis, um hominídeo pigmeu que viveu até bem recentemente (20 mil anos atrás) na Ilha de Flores, na Indonésia. Apelidado de Hobbit, ele tinha pouco mais de 1 metro de altura e um cérebro equivalente em tamanho ao de um chimpanzé.

Pesquisadores debatem há anos, intensamente, se o Homo floresiensis era uma espécie portadora de microcefalia ou outra malformação genética, ou apenas uma versão reduzida de um Homo erectus — encolhida pelo chamado “efeito ilha”, um processo evolutivo que tende a reduzir o tamanho de espécies que vivem restritas a ambientes insulares.

Para Neves, a hipótese do Homo habilis faz mais sentido, porque se tratava de uma espécie já naturalmente menor. “Seria muito mais fácil para a evolução espremer um Homo habilis no formato de um floresiensis do que um Homo erectus”, diz.

 

Professor Walter Neves fala sobre a descoberta de pedra lascada que indica mudanças na história evolutiva dos humanos – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Reconstruir a história da evolução humana é como tentar reescrever o roteiro de um filme baseado apenas em um trailer, ou narrar a história de um livro com base apenas em algumas folhas, sem saber exatamente quem são os personagens, de onde eles vêm, como eles se relacionam ou o que cada um faz. As evidências são poucas e difíceis de serem encontradas, o que faz da paleoantropologia (o estudo da evolução humana com base em fósseis) um do campos mais competitivos, polêmicos e espetaculares da ciência.

Afloramento no Vale do Zarqa, Jordânia, em 2014. A formação escavada é conhecida como Dawqara. – Foto: cedida pelo pesquisador

Ceticismo

Os pesquisadores não têm dúvida que o trabalho e suas implicações para o estudo da evolução humana serão recebidos com “muito ceticismo” pela comunidade científica internacional. “Vamos ser destroçados”, declarou Neves, com a tranquilidade de quem já está calejado nesse tipo de coisa. “Com certeza vamos encontrar ceticismo, mas faz parte da ciência”, disse Scardia, primeiro autor do trabalho e responsável pela datação do material. “Temos muita confiança nos nossos resultados.”

O natural seria que uma descoberta desse porte fosse publicada numa revista de maior impacto, como Natureou Science. Só não foi, segundo Neves, porque os editores dessas revistas “não acreditam que possa haver vida inteligente abaixo do Equador”, pelo menos no que diz respeito à paleoantropologia — uma área na qual o Brasil não tem tradição de pesquisa internacional.

“Não queria me aposentar antes de botar o Brasil no mapa da paleoantropologia mundial”, desabafa o sempre polêmico e aguerrido Neves. “Engulam ou não, o Brasil está no mapa agora.”

A pesquisa foi financiada principalmente pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pela Wenner-Gren Foundation for Anthropological Research, de Nova York.
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Réplicas de crânios de hominídeos expostos em coletiva de imprensa no IEA. Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
(Jornal da USP/#Envolverde)

Fonte

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