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Desafetações e crimes regularizados: distopias na Amazônia aqui e agora

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Por Luis Fernando Novoa Garzon , Daniele Severo da Silva e Maira da Silva Ribeiro* – Amazônia Real – 

A aliança entre grandes grupos especializados na extração de commodities e os aparatos governamentais na esfera nacional e subnacional tem garantido um inédito fluxo de medidas legislativas-governamentais que franqueiam a exploração compulsória de recursos naturais na região amazônica. No caso do estado de Rondônia, destaca-se, no mapa nº 1, o que sobrou de Amazônia no estado que mais devastou esse bioma, o que mais brutalmente expulsou e acantonou os povos originários. O eixo de expansão da BR 364 fez de Rondônia uma extensão longitudinal do Mato Grosso, com fronteiras sucedendo-se na mesma ordem: atividade madeireira, desmatamento, pecuária extensiva, monocultura da soja. O eixo prossegue em expansão e se ramifica.

Mapa nº 1: Mapa de ameaças ao corredor de conservação (Rondônia)[1]

Fonte: Elaboração própria, CLACSO, 2020.

Mapeamento realizado em pesquisa ainda inédita no âmbito da convocatória do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais-CLACSO, “Expansión mercantil capitalista y la Amazonía como nueva frontera de recursos en el siglo XXI. Procesos, actores, disputas.”

A título de eventual compensação, o Plano Agropecuário e Florestal -PLANAFLORO instou o estado de Rondônia a inaugurar seu “Zoneamento Socioeconômico e Ecológico” (ZSEE) que foi legalmente constituído a partir de 1991. Desastre consumado, logo regularizado como zona 1 no ZSEE, “consolidada”. Assim, as próximas apropriações, na zona 2, de uso potencial, teriam um protocolo por seguir. Já a zona 3, de proteção e conservação, equivaleria a um pedido de desculpas pós-catástrofe, um gesto de boas maneiras enviado pelo Banco Mundial em meio à barbárie cofinanciada pelo mesmo. Passados praticamente 20 anos, o zoneamento do Estado caminha para sua terceira “aproximação” com base na realidade tal como se apresenta: as relações de força são convertidas de imediato em relações juridicamente perfeitas. A Assembleia Legislativa do Estado tende a homologar o novo zoneamento socioeconômico-ecológico de Rondônia proposto pelo Governo de Estado para que se estabeleça um novo “equilíbrio entre a proteção do meio ambiente e o uso e a ocupação do solo”[2].

Tal equilíbrio é sempre devedor da rentabilidade máxima passível de ser obtida nas terras em questão. A diversidade territorial amazônica vai sendo assim reduzida a um projeto utilitarista de homogeneização mercantil que procura carimbar em cada lugar sua “verdade econômica”, sua vocação a desabrochar.

Mapa nº 2: Intento de desafetação da RESEX Jaci Paraná

Fonte: Coordenadoria das Unidades de Conservação do Estado de Rondônia, SEDAM, 2020

Mapa nº 3: Intento de desafetação do Parque Estadual Guajará Mirim

Fonte: Coordenadoria das Unidades de Conservação do Estado de Rondônia, SEDAM, 2020

Exemplares dessas “vocações” impingidas aos territórios são os casos da Reserva Extrativista de Jaci-Paraná e do Parque Estadual Guajará Mirim que estão sendo objeto de desfiguramento seguindo a lógica do novo zoneamento estadual para que assumam regularmente a função de estoque de terras disponíveis para a especulação fundiária e para expansão das atividades agropecuárias (Mapas nº 2 e 3).

O Parque Estadual Guajará Mirim e demais Unidades de Conservação do entorno têm um papel territorial e simbólico de contenção da frente de devastação do eixo da BR 364, resguardando a “zona de conservação” do vale do Guaporé composto por UCs, territórios indígenas e quilombolas. A pulverização desse Parque por meio de “unidades de exclusão”, agora agregadas na proposta de desafetação, embute o cenário de mais uma “porteira arrombada” para a devastação padrão desses territórios remanescentes. O trecho sensível de ligação entre a Rodovia 420 e a Rodovia 421 – que cruza o Parque Estadual Guajará Mirim – é que talhou esta nova frente de destruição. As desafetações projetadas nesse momento são uma decorrência lógica dessa fronteira aberta e abrem caminho para consolidar a política de genocídio dos povos indígenas da região, particularmente os povos Wari, Karipuna e Uru Eu Wau Wau.

No caso da RESEX de Jaci Paraná, o grande pasto em que se trasformou após uma década de desmatamento, grilagem e pecuária ilegal, virou o argumento-chave para normalizar essa trajetória dilapidadora. Depois disso, não há o que fazer senão legalizar o crime cometido? Essa é a justificativa do Governo do Estado para desafetar a área:

[…] estima-se que existam 120 mil cabeças de gado no interior da Reserva Extrativista de Jaci Paraná, sem qualquer licenciamento ambiental ou autorização para supressão de vegetação nativa, o que impossibilita a regeneração natural da Reserva, em razão do alto grau de compactação do solo ocasionado pela carga excessiva de animais […]

O mapa nº 2 revela o que era a RESEX em 1996, quando foi criada, e o que virou em 2019. O resultado final é uma proposição legal de prêmio e bônus para grileiros e desmatadores que ganham assim mais motivos para prosseguir pilhando as terras protegidas que restam. Na mesma mensagem do Projeto de Lei Complementar 080/2020, o adestrado Governador do Estado argumenta que essas desafetações irão garantir a “regularização de ocupações existentes”, sendo essa a única forma de “controle territorial da ocupação na região”. A redundância não é casual: perpetrado o massacre do bioma e dos povos que nele vivem, resta reconhecer e premiar os vitoriosos.

O projeto de lei, com apoio praticamente uníssono da Assembleia Legislativa do Estado de Rondônia, quer emplacar como regra de ouro a máxima que o crime ambiental, o crime contra as comunidades tradicionais, compensam – e compensarão de forma permanente. Violência é paz e o crime agora é lei, esta distopia presentificada aqui na Amazônia torna obsoletas todas as distopias literárias já feitas.

A fotografia de destaque é da invasão ao território Uru Eu Wau Wau, em Rondônia (Foto de Marizilda Cruppe/WWF Brasil)

*Luis Fernando Novoa Garzon, sociólogo e professor da Universidade Federal de Rondônia, líder do “Grupo de Pesquisa Territorialidades e Imaginários na Amazônia”

Daniele Severo da Silva, socióloga e professora da SEDUC-RO e pesquisadora do “Grupo de Pesquisa Territorialidades e Imaginários na Amazônia”

Maira da Silva Ribeiro, bióloga, graduanda em Ciências Sociais e pesquisadora do “Grupo de Pesquisa Territorialidades e Imaginários na Amazônia”

#Envolverde

 

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