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Por Samyra Crespo, especial para a Envolverde –
Escrevi anteriormente dois textos em que apontei agravos ao padrão de consumo predatório durante a pandemia: novos resíduos sólidos em grande quantidade (toucas, luvas, máscaras, sapatilhas e frascos de álcool gel) e o aumento do consumo de alimentos processados e do uso ampliado de desinfetantes e produtos químicos que literalmente agridem o meio ambiente.
Neste, quero destacar os benefícios deste período para áreas como mudanças climáticas, poluição atmosférica e consumo de água e energia.
É evidente que o número de viagens no espaço doméstico e internacional diminuiu drasticamente. As reuniões de negócio e os congressos profissionais passaram a ser on line. O turismo – outro grande impulsionador das viagens de avião, ônibus ou carro, também minguou. Então, com certeza houve menos consumo de combustíveis fósseis e menos emissões de CO2.
Escolas, shoppings fechados, bem como centros culturais, teatros e cinemas também significaram uma tremenda economia de energia – e as pessoas mergulharam em “passeios virtuais” pelos grandes museus do mundo e compraram doidamente via on line e cartão de crédito.
Clubes, hotéis, saunas e academias de ginástica fechadas também significou uma enorme economia de água e outros insumos.
Com o home office e o “autotrabalho” (via internet) é óbvio que menos carros circularam e a poluição urbana causada por fonte veicular diminuiu.
Pena que o desmate e as queimadas, infelizmente, agravaram a situação do Brasil como um dos grandes emissores dos gases do efeito estufa. Até há pouco tempo éramos o quarto país em emissões – agora será preciso fazer uma nova contabilidade – depois da queima apocalíptica da Amazônia, Pantanal, Cerrado e até da nossa ameaçadíssima Mata Atlântica, devemos ter subido de posição no ranking.
O outro lado da moeda dessas fabulosas “economias” é perverso e muitas delas não se sustentarão a médio prazo. Escolas e shoppings estão reabrindo, o turismo começa a engrenar e a roda parece ter que girar como sempre.
O desemprego, a falência de empreendedores e a “uberização” dos serviços, contudo, é uma tendência forte e inevitável nestes próximos anos.
O “delivery ” intensificou-se e veio para ficar – promovendo nosso conforto (será) às custas de menos socialização e da precarização do trabalho.
O home office virou uma mina de ouro para as empresas e muitas delas diminuirão seus espaços físicos impondo aos funcionários “jornadas sem fim” em casa. Executivos de pijama – e não de ternos Armani – é uma imagem pitoresca, e bem real.
O autotrabalho (quando você acessa serviços virtuais e paga contas, movimenta dinheiro no banco, faz compras, etc) hoje impõe uma carga horária extra ao comum dos mortais de no mínimo 2 horas por dia.
Onde havia alguém fazendo ou atendendo (empregando pessoas) você faz. Quem ganha? Follow the money!!! Há um enorme ganho de produtividade por aí, extraindo mais valia de nós – consumidores.
O fato é que a vida virtual está aí, prosperando, e parece que tudo é possível ao alcance de um celular: ouvir música, passear no Louvre, rezar, conhecer novas culturas, amar e fazer sexo express.
Mas documentário disponível na Netflix – Social Dilema – que recomendo a todos que vejam sem demora – mostra a outra face do todo poderoso Deus Janus.
Nesta outra face ainda pouco percebida e obscura, nossa vida é controlada por algoritmos e câmeras espiã. E esse controle gera trilhões de dólares e cria negócios bilionários.
Nossos dados pessoais são processados juntamente com os de outras milhões de pessoas e nossos desejos mais íntimos são conhecidos e manipulados.
Quando buscamos uma informação nas plataformas virtuais, ela vem “customizada”, embalada em nossas expectativas, reforçando estereótipos, preconceitos e outras disposições pessoais ou coletivas. Reforçando ou mudando padrões de consumo subliminarmente.
A vida virtual tem inúmeras vantagens, mas precisamos rapidamente pensar em mecanismos que nos defendam de sua capacidade tecnológica absurda (a serviço do capital ou da política) de nos seduzir, convencer ou viciar – interferir em nossas escolhas.
O consumo da cultura e da informação acurada e independente, precisa urgentemente de atenção.
Mais do que nunca o consumo virtual de bens, serviços e informação merece um debate sério e ponderado.
A tecnologia pode ser usada a nosso favor e contra nós. Sempre foi assim. A tecnologia nuclear que o diga. A maravilhosa tecnologia da medicina o comprova.
Se nossa liberdade fica cada vez mais tolhida e tudo o mais deteriora (empregos, convivialidade, meio ambiente) – estamos alimentando o monstro que nos devora.
Pense nisto.
Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”. Foi vice-presidente do Conselho do Greenpeace de 2006-2008.
* Este texto foi escrito para o Site Envolverde e faz parte se uma série que venho publicando desde março do ano passado.
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Fonte