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Mulheres na Conservação: Érica Pacífico

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Por Paulina Chamorro e Natasha Olsen, Ciclo Vivo – 

Bióloga une conhecimento popular e pesquisa acadêmica na conservação das araras-azuis-de-lear no sertão brasileiro

A segunda temporada do Projeto Mulheres na Conservação traz histórias do sertão. Um projeto de conservação na Caatinga, do único bioma exclusivamente brasileiro. Histórias de resiliência, de união do conhecimento popular com a pesquisa e do trabalho focado em pesquisa da bióloga Erica Pacífico.

Ela é especialista em manejo de fauna, mestra em zoologia e doutora em biologia da conservação. Desde 2008 coordena um projeto estuda biologia reprodutiva, dinâmica populacional e ameaças às populações de araras-azuis-de-lear.

Foto: João Marcos Rosa | Nitro

Ouvimos histórias sobre métodos completamente inéditos criados por ela e sua equipe para trazer a reintrodução de espécies em locais como o Boqueirão-da-Onça, por exemplo, onde existem apenas dois indivíduos da espécie.

Para fazer estas entrevistas em um período pandêmico, dividimos nosso trabalho e conversas em diferentes etapas. Muitas delas fiz em conversas digitais, me transportando pelos relatos apaixonados para um ambiente que ressalta o contraste da paisagem árida, com sua particular biodiversidade e o azul intenso destas aves especiais.

Araras-azuis de lear

Os paredões onde as araras-azuis-de-lear são encontradas podem chegar a 100 metros de altura. E para acessar esses locais, Érica e sua equipe utilizam técnicas de rapel. Foto: João Marcos Rosa | Nitro

Na Estação Biológica de Canudos e na Estação Ecológica do Raso da Catarina, há um programa formal de conservação da espécie, mas as araras-azuis-de-lear são encontradas em outras regiões no nordeste da Bahia, que são a Terra Indígena Brejo do Burgo e áreas particulares onde as aves ainda não são protegidas.

O tempo de incubação das araras-azuis-de-lear é de cerca de quatro semanas. Até três ovos podem eclodir em um ninho, mas o filhote que nasce primeiro geralmente vence a competição por alimento e é o único a sobreviver.

Com o uso de pequenos GPS instalados em filhotes, a bióloga consegue importantes informações sobre a dispersão desses indivíduos, depois que eles se tornam jovens e iniciam sua jornada pela Caatinga e voam pelo céu.

Foto: João Marcos Rosa | Nitro

Implantar equipamentos em araras adultas é um trabalho muito difícil, pois elas destroem o material com seus bicos poderosos. Os filhotes aceitam melhor o GPS e se adaptam melhor ao monitoramento, trazendo para a equipe de pesquisadores dados que vão ajudar na conservação da espécie.

Confira o primeiro capítulo da websérie da segunda temporada do Projeto Mulheres na Conservação com Érica Pacífico e a entrevista que a bióloga deu para a jornalista Paulina Chamorro.

O que é ser uma mulher na conservação?

Érica Pacífico – No geral, ser mulher em pesquisa ou em qualquer profissão é complexo, não é uma coisa fácil. É diferente, né? Tem algumas limitações. É visto de maneira diferente. E eu acho que na conservação, pesquisa para conservação, é muito desafiador, pelas condições que a gente trabalha, muitas vezes muito inóspitas e muito dependentes da imagem masculina. É difícil enfrentar tudo isso sozinha, só como uma mulher atuante. Ser líder de equipe composta com vários homens, em que as vezes você precisa de força bruta e esforço físico além do que você pode fazer sozinha. Principalmente em áreas de risco, em locais com altos índices de violência contra a mulher. Principalmente quando uma mulher vem de um ambiente urbano e vai trabalhar em uma área rural, em comunidades indígenas ou comunidades tradicionais onde o machismo existe, e a gente meio que rompe esta barreira.

Além disso, tudo o que agente traz na pesquisa vem do ambiente acadêmico onde existe um desequilíbrio nesta questão homem e mulher. É quase uma luta constante para a gente conseguir alcançar o sucesso e os resultados do trabalho nestas duas vertentes aí, campo e academia, sendo uma mulher tendo que romper todas as barreiras que a sociedade impõe, né? Por mais que não seja declarado, está lá.

Foto: João Marcos Rosa | Nitro

Quais foram os principais desafios sendo mulher nessa área?

Quando comecei a trabalhar era muito nova, 20 e poucos anos e fui um pouco inocente neste processo. Então muita coisa eu não percebi, não enxerguei, não me ofendeu, não achei que era agressivo. Quando comecei a trabalhar isso passou batido por mim e não me impediu de continuar. Acabei tendo muita sorte no meu processo porque aceitaram uma mulher liderando. Passei por um processo inicial em que eu dependia de homens para me auxiliar na atividade de campo e os que não aceitavam que uma mulher coordenasse, não se mantiveram na equipe. Muitos não aceitavam que uma mulher coordenasse, que falasse “é assim que você dá nó na corda” “eu vou fazer sua segurança enquanto você desce no rapel”… Então era assim: no primeiro momento colocava um homem para fazer a segurança no rapel e depois avisava que na viagem seguinte esta pessoa não poderia me acompanhar porque eu preciso ter a autonomia de coordenar o trabalho de campo.

Também muitas vezes eu me identifiquei como sendo incapaz de executar determinadas atividades. Por desconhecimento de coisas que é comum que os homens façam, como por exemplo trocar o pneu, arrumar o motor do carro ou consertar algo com uma ferramenta. No começo eu não estava apta a fazer isso porque eu não tinha sido treinada a ser multifuncional neste sentido. Mas depois eu fui aprendendo com meus próprios assistentes de campo. Foi um jogo de cintura que eu aprendi a ter.

E eu comecei a perceber que isso era comum fora da zona rural, dentro do ambiente acadêmico, aí eu senti mais e às vezes eu não soube como lidar com isso.

É quando você começa a pensar nos contextos que aconteceram, né?

Ao longo dos 10 anos de trabalho, eu desenvolvi uma estratégia de equalizar a equipe, porque tinha campanhas que era só eu de mulher e 4 ou 5 homens. Aí eu pensei: gente, não pode ser. Então eu só trazia assistente de campo mulher, que são feras. Meninas que nunca foi no mato, ia para o meio da catinga, subia montanha, carregava peso e nunca deixava a desejar. Dei oportunidade para mulheres vivenciarem este ambiente. E fiz meus assistentes de campo entenderem que as mulheres que estavam ali eram aptas, por mais que nunca houvessem ido para campo. Foi um aprendizado para eles também.

Você se vê inspirando outras gerações ou as mulheres que estão chegando agora na pesquisa de campo?

Sim, eu me enxergo nesse papel e já tive muito retorno das alunas que vão comigo para campo me falando isso diretamente. Que me admiravam, que queriam muito ser biólogas atuantes.

E eu fui inspirada por outras pesquisadoras como a Neiva Guedes, a Patrícia Médici, a própria Flávia Miranda que era minha colega desde o começo. Pessoas que eu admirava e que pensava: ‘”gente, quando eu crescer quero ser assim”.

Assisti palestras da Patrícia Médici de ficar arrepiada e pensar que queria fazer algo também, fazer alguma coisa significativa. Meus primeiros treinamentos foram com a Neiva Guedes.

E hoje temos algumas biólogas que se incorporaram na minha equipe, que são super atuantes. E foram estagiárias que nunca tinham ido para campo na vida e hoje executam o projeto de forma brilhante.

Como você acha que a arara pode contribuir para a conservação?

A arara é um bicho que tem alta mobilidade. Uma arara pode voar de 40 a 70 quilômetros por dia. E a espécie é uma bandeira para conservação. Quando uma área vai ser desmatada é preciso adotar uma série de ações de mitigação para não atingir esta espécie, o que acaba protegendo outras espécies também, mesmo que elas não estejam contempladas no plano de mitigação. Espécies que têm um papel ecológico importante também, como uma espécie que é dispersora de sementes, que não é uma espécie ameaçada, mas que acaba sendo protegida pelas ações de proteção do terreno da arara.

Quando falamos da arara azul temos que falar do habitat da espécie. Existe uma relação complexa da arara azul com a comunidade local. Existem atividades tradicionais relacionadas a presença da arara.

Quando eu comecei o meu trabalho estava muito focada em descrever dados básicos da biologia da espécie. Quantos filhotes nascem no ninho? Quantos ovos ela põe e como é o desenvolvimento do filhote? Mas aí você começa a descobrir outras perguntas. Por que alguns filhotes se desenvolvem melhor? O que que essas fêmeas comem? Aí você vai para campo e descobre que as fêmeas comem um determinado fruto que está dentro da casa de uma pessoa, que essa pessoa mantém ali esta árvore para usar a palha da árvore e construir abrigo para o gado, ou usam o coco do licuri para alimentar o gado… Tem um emaranhado de coisas na atividade de conservação da arara.

Quando você abre os olhos para o contexto social do ambiente, é mais fácil de você responder as perguntas de base da ecologia da espécie. É um aprendizado que vai além do seu objetivo inicial.  Você vai mudando o caminho, é um trabalho multidisciplinar.

No fundo é a natureza e as suas conexões?

Sim, não é uma coisa isolada. E essa é uma outras questão:  você não faz nada sozinho. Em um trabalho grande, multidisciplinar. Você tem que ter colaboradores e parceiros. O benefício do meu trabalho em relação à pesquisa acadêmica foi a conexão de trabalho que eu fiz, esta teia de pessoas. Hoje acho que tem pelo menos umas 30 pessoas envolvidas no meu projeto. Pesquisadores de alto nível, reconhecidos internacionalmente, que são referência. E pessoas que estão atuantes no campo. A parte que eu acho que mais gosto do meu trabalho é essa relação que eu tenho com várias pessoas, toda esta colaboração entre muitos pesquisadores de diferentes áreas, todos interessados na conservação da espécie.

Campo Formoso_BA, 17 de janeiro de 2019 Reintroducao de araras-azuis-de-lear na região do Parque Nacional do Boqueirao da Onca. Foto: JOAO MARCOS ROSA/NITRO
O que o sertão, que abriga este trabalho, representa para você?

Trabalhar no sertão é uma questão de força. Você se inspira toda vez que você vai para lá. E quando você volta, você se deprime um pouco. O sertão tem algumas coisas inesperadas. Você lida com pessoas que você sabe que são fortes, trabalhadoras, muito simples e vivem em condições muito simples. Trabalhar lá é muito louco.

Eu nunca senti aquele peso de trabalhar num lugar considerado árido, que não tem água, não tem luz. Eu nunca senti esse peso. Eu sempre senti o prazer de estar em uma cultura muito diferente da minha onde as coisas funcionam com muito menos do que a gente acha que iria precisar.

E a relação do sertanejo com os bichos tem inúmeras vertentes, a dependência da natureza e a forma que eles lidam com as necessidades que o ambiente impõe, como por exemplo a falta de água. O sertão é bonito. A luz é bonita, a cor é bonita, as pessoas… É prazeroso ir para lá.

Érica durante o trabalho de reintrodução de araras-azuis-de-lear na região do Parque Nacional do Boqueirão da Onça. Foto: João Marcos Rosa | Nitro
E é surpreendente como mesmo com todas estas dificuldades eles são hospitaleiros. Você chega em um lugar, faz uma pergunta e eles te convidam para tomar um café, te convidam para o almoço. Você sente um acolhimento muito grande. Fico maravilhada como as coisas acontecem ali. Sou de São Paulo, fui criança de apartamento. E eu sempre me senti muito bem naquele lugar, energia muito boa, me sinto muito acolhida. Eu digo que a catinga é o melhor lugar para trabalhar no mundo.

É como a arara, você faz parte daquele ecossistema?

É. As pessoas dali trabalharam comigo. Desde o começo, quando eu tive dificuldades para trabalhar com equipes coordenadas por uma mulher. As pessoas ali foram comigo até o final, me deram amparo emocional, me ajudaram muito. Um nível de cuidado que não tem preço. São meus amigos.

Imagens da Estação Biológica de Canudos, propriedade da Fundação Biodiversitas, onde a arara azul de lear, especie ameaçada de extinção se reproduz. Foto: João Marcos Rosa | Nitro

Qual a sensação quando você chega em cima do paredão e escuta as araras gritando?

É muito lindo! O comportamento das araras é apaixonante. É o lugar para onde elas vão para trocar informação. “Olha, achei licuri, amanhã vamos todas pra lá!”. Aí a gente brinca com isso. Quando elas levantam voo, você vê aquela nuvem de araras, qualquer um fica arrepiado. É fantástico!

E é um lugar acessível, mas justo isso foi um problema porque elas estavam vulneráveis à captura e à perturbação dos dormitórios. Qualquer um podia chegar lá andando. Quando o local passou a ser protegido, a população da arar-azul-de-lear sentiu que ali era um lugar seguro. E ali elas se reestabeleceram, se fixaram naquela região de uma forma mais próspera. Quando você vê aquela nuvem de araras voando você fica besta! É lindo demais!

Já levei gente que quando viu as araras voando até chorou de emoção.

Arara-azul-de-lear em Canudos, Bahia. Foto: João Marcos Rosa | Nitro

#Envolverde

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