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Não há futuro com a negação da ciência

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Discursos do presidente da República, de seu vice e ministros negam a ciência e acusam cientistas e instituições de ensino e pesquisa.

Nas duas crises, sanitária e ambiental, que atingem o Brasil, vemos se intensificar o uso deliberado da desinformação por quem deveria ter a transparência como regra e o serviço à população brasileira como dever. Nesse processo, ataca-se e questiona-se a atuação e o trabalho de cientistas e instituições de pesquisa com sólido histórico de contribuições para a ciência e o desenvolvimento do país.

Mesmo diante da abundância de relatos, imagens in loco ou obtidas a partir de satélites, mesmo com a poluição de queima de biomassa no Norte e no Centro-Oeste, atingindo o Sudeste e o Sul do Brasil, a atuação do governo federal tem sido atacar os dados e aqueles que os disponibilizam e não oferecer as respostas coordenadas e tão necessárias neste momento. Depois de “passar a boiada”, agora é a conversa para boi dormir.

“Em vez de aceitar as evidências científicas, eles tomaram a decisão de combater os fatos”. A frase é da historiadora da Universidade Stanford, Naomi Oreskes, que pesquisou como grupos de interesse ligados ao setor de combustíveis fósseis atuaram (e atuam) para desacreditar as evidências científicas sobre as mudanças climáticas de origem antrópica. A estratégia adotada não era nova e já havia sido usada pela indústria do tabaco para desacreditar os resultados que ligavam o tabagismo a sérias consequências sobre a saúde humana.

Recentemente, em junho de 2020, o procurador geral de Minnesota, Keith Ellison, processou a ExxonMobil, o Instituto Americano de Petróleo (API) e a Koch Industries por enganar o público sobre as mudanças climáticas. O processo alega que “documentos internos previamente desconhecidos confirmam que o réu compreendeu bem os efeitos devastadores que seus produtos causariam ao clima” e que a indústria “engajou-se em uma campanha de relações públicas que não só foi falsa, mas também altamente eficaz”, o que serviu para “deliberadamente [minar] a ciência” da mudança climática.

Ainda que sólidas evidências científicas terminem por se sobrepor à guerra de desinformação, as consequências do atraso na resposta por meio de políticas públicas afetam e afetarão a vida de vários milhões de pessoas. Tanto o descaso com a conservação ambiental, como os ataques à ciência e aos cientistas, solapam no Brasil suas melhores ferramentas para o enfrentamento da crise sistêmica em que se encontra mergulhado.

Em 2019, o relatório da organização Scholars at Risk deu destaque à deterioração da situação da atividade acadêmica no Brasil descrita como: Uma onda de pressões politicamente motivadas sobre as universidades brasileiras, incluindo ataques a campi, ameaças e ataques a estudantes minoritários, e legislação que ameaça as atividades das universidades e os valores centrais.

Em 2020, um relatório do Global Public Policy Institute, com sede em Berlim, reforça a marcha da erosão rápida da liberdade acadêmica no Brasil. O documento indica ataques e ameaças de violência contra pesquisadores, abertura de processos disciplinares contra professores, ameaças e cortes orçamentários a projetos não alinhados. Completa o quadro a virulência dos discursos do presidente da República, de seu vice e ministros que negam a ciência, acusam cientistas e instituições de ensino e pesquisa, e com isso estimulam as agressões de seus apoiadores a professores e pesquisadores.

Tais agressões desconstroem o esforço de várias gerações na consolidação da pesquisa no Brasil, com sérias repercussões para nossa democracia. Há um quarto de século, o cientista Carl Sagan escreveu o livro “O Mundo Assombrado Pelos Demônios: A Ciência vista como uma vela acesa no escuro“, com a intenção de reafirmar o poder positivo e benéfico da ciência e da tecnologia. Em seu livro, dois trechos são de uma atualidade aterradora para o Brasil de 2020:

Tanto a ciência como a democracia encorajam opiniões não convencionais e debate vigoroso. Ambas requerem raciocínio adequado, argumentos coerentes, padrões rigorosos de evidência e honestidade. A ciência é um meio de desmascarar aqueles que apenas fingem conhecer.

Descobrir a gota ocasional da verdade no meio de um grande oceano de confusão e mistificação requer vigilância, dedicação e coragem.

Não há futuro no negacionismo, só atraso e desesperança.

MERCEDES BUSTAMANTE é professora titular do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília e membro da Academia Brasileira de Ciências.

** A Coalizão Ciência e Sociedade congrega cientistas de instituições ensino e pesquisa em todas as regiões do Brasil.


* Os artigos de colaboradores não exprimem necessariamente a opinião de Direto da Ciência, e são publicados com os objetivos de promover o debate sobre a ciência, a cultura, o meio ambiente e o ensino superior e de refletir a pluralidade de ideias sobre esses temas.


Na imagem acima, queimada em floresta na região de Marabá, no Pará. Foto: Prefeitura Municipal de Marabá/Divulgação..

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