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por Bárbara Poerner* e Virgínia Vasconcelos**, Carta Capital –
‘É urgente pensar como a classe trabalhadora pode se organizar coletivamente para garantir condições dignas de trabalho’
Dentre as toneladas de têxteis produzidas anualmente, quase metade é algodão. 40%, mais precisamente, conforme a Textile Exchange. Sua produção cresceu 38% de 2000 a 2018 e o Brasil transita entre os 4 maiores produtores e exportadores, junto da Índia, Bangladesh e China (EMBRAPA). A última lidera as exportações em todas as categorias do vestuário: fibras e filamentos, tecelagem e malharia, e vestuário e confecções.
O algodão é uma planta composta quase 100% de celulose e bastante resistente à seca – por isso seu cultivo em diversas regiões do mundo, principalmente em semiáridos. Quase tudo nele é aproveitado: caule, folhas e bagaço para a alimentação animal; caroço para produção de óleo; e pluma para a produção de fibras utilizadas em diversos segmentos têxteis. Atualmente, a maior parte é aplicada nestes artigos, incluindo o vestuário.
Junto a tanta produção, também aparece muita poluição. O 4º maior lago de água salgada do mundo, o Mar de Aral na Ásia Central, quase desapareceu em 2015 pois os rios que desaguavam nele foram desviados para irrigar plantações de algodão na região do Uzbequistão. Além disso, sua produção convencional é, normalmente, rotativa com soja e milho e pode estar ligada ao agronegócio.
Os impactos da produção do jeans de algodão
O algodão é o principal insumo para o jeans, que é histórica e convencionalmente dessa fibra. Também conhecido como “denim”, sua origem data 1847 e hoje, no Brasil, sua produção é incessante, cresceu exponencialmente nas últimas safras e movimenta 8 bilhões ao ano.
A peça ganhou proporções mundiais, sendo uma das mais consumidas e rodadas do globo: são percorridos cerca de 65 mil quilômetros ao redor da Terra para a fabricação de uma única calça jeans, o que significa um processo extenso e difuso, com diversos processos em localidades diferentes.
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Seu custo para o meio-ambiente e para as pessoas é tão grande quanto seu trajeto. No Brasil, uma única calça jeans utiliza mais de 5.000 litros de água para ser produzida; somamos a isso os grandes níveis de poluentes emitidos no beneficiamento (série de etapas que contempla a lavagem, coloração, estamparia e acabamentos de um fio, tecido ou peça). Se antes o índigo era utilizado como um corante natural, hoje os químicos que tingem de azul os jeans são os resíduos que contaminam rios e mares.
O jeans de Toritama
Um lugar que garante o destaque do jeans brasileiro é Toritama. A cidade, que significa “terra da felicidade” em tupi, transformou-se na terra do jeans. Mina de ouro da região, a produção chega a 18% do montante consumido no Brasil. Para comportar essa demanda, os cidadãos chegam a fazer jornadas de 14h, se dividindo entre corte, confecção e tingimento em suas próprias casas. O jeans, que é estrela o ano todo, se ofusca no Carnaval, quando os trabalhadores vendem vários de seus pertences e usam as economias para debandar pro litoral; essa realidade é mostrada no documentário de Marcelo Gomes (2019), intitulado “Estou Me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar.”
As longas jornadas de trabalho podem vir acompanhadas de problemas ambientais. O rio Capibaribe, principal manancial de água de Toritama, recebe os efluentes industriais das lavanderias de jeans e fica tingido com ‘a cor da moda’, contribuindo para a má qualidade das águas. Essa poluição impossibilita a vida de peixes e outras espécies de animais, causa irritações na pele, olhos e mucosas dos humanos e pode provocar doenças na população local. Apesar das fiscalizações, muitas empresas descartam seus resíduos sem o devido tratamento no meio ambiente. Em 2005, 70% dos efluentes industriais e sanitários das lavanderias de Toritama eram descartados na rede pluvial.
Os impactos ambientais e sociais causados pela produção do jeans na cidade são reflexos da configuração produtiva que foi instalada no local. É uma economia com alto índice de informalidade, com trabalho domiciliar e familiar, onde predomina a pequena empresa e relações trabalhistas estabelecidas a partir da lógica da terceirização e subcontratação. No polo, que soma principalmente as cidades de Santa Cruz do Capibaribe e Caruaru, 88% dos locais de trabalho empregam só até 4 pessoas. Tais características invisibilizam as condições e favorecem a violação de direitos, a ocorrência de trabalho precário e a degradação ambiental.
Aliado a esses aspectos, a produção em larga escala e a concorrência com grandes players do mercado nacional e internacional justifica e normaliza o baixo preço das peças e dos salários pagos, junto da informalidade como diferencial competitivo e a redução dos custos como estratégia principal para manutenção no mercado. Nesse cenário, os impactos ambientais e sociais causados não são táticas planejadas ou intencionais, mas desdobramentos das necessidades de sobrevivência das pequenas empresas informais e sem estrutura – fato que distância esse polo dos impactos causados por grandes marcas multinacionais do setor da moda.
Caminhos para a mudança
Essa dinâmica produtiva pautada no trabalho informal, na produção em larga escala sem considerar o destino dos resíduos, a origem das matérias-primas e o descarte dos produtos, reflete, de um lado a necessidade dos atores locais em gerarem renda e alternativas de subsistência em uma região economicamente periférica e a insuficiência de políticas públicas capazes de fomentar a competitividade de economias locais e possibilitar a formalização, a capacitação e a proteção trabalhista.
Nesse contexto, onde a informalidade é naturalizada e até defendida, onde a geração de emprego e renda é apontada como fator suficiente para justificar condições de trabalho degradantes e onde práticas ecologicamente corretas são vistas como custos que inviabilizam o funcionamento dos negócios, onde a geração de emprego é significativa (segundo o Sebrae, 2013, o Polo gera mais de 100 mil empregos) e a confecção de roupas, além de atividade econômica, representa a cultura local e a história da região, é urgente pensar como a classe trabalhadora pode se organizar coletivamente para garantir condições dignas de trabalho.
Isso tampouco é possível sem discutir também sobre novas formas de organização do trabalho, a partir uma lógica mais colaborativa como os preceitos da economia solidária. Debater a viabilidade de cooperativas, consórcios de pequenos negócios, vem de encontro a cobrança de políticas públicas de apoio aos pequenos negócios e a proteção dos trabalhadores.
Por fim, é necessário fomentar a introdução da lógica da economia circular na produção local, tornando acessível e viável os processos de reutilização de insumos, reparo, remanufatura e reciclagem dos tecidos e implementando uma outra forma de produzir e consumir um item tão antigo quanto o jeans.
*Bárbara Poerner é redatora no Fashion Revolution Brasil.
**Virgínia Vasconcelos é Representante local do Fashion Revolution Brasil, Integrante do Lab Moda Sustentável, Membro da CIVICUS – World Alliance for Citizen Participation e fundadora do Ética na Moda
#Envolverde
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