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Pandemia & Consumo: mais lixo contaminante e não reciclável no ambiente

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por Samyra Crespo, especial para a Envolverde – 

Na quinta publiquei na Agência Envolverde/Carta Capital um texto comentando as alterações positivas e negativas dos padrões de consumo durante a pandemia (que não acabou).

Explorei aspectos como alimentação, deslocamento e comportamentos do frame “vida saudável ” – outdoor que foram bastante afetados.

No texto que segue, abordarei outros aspectos que considero relevantes, dentro do mesmo tema, sempre tentando responder à pergunta de fundo: estamos transitando para hábitos de consumo mais conscientes ou sustentáveis?
Como todo tema ou problema complexo, a resposta é sim e ‘não’ – num contexto que apresenta contradições tanto episódicas (conjunturais) como estruturais (a maneira como opera o sistema de produção e distribuição dos bens de consumo).

Sem me atrever a grandes digressões, o que não cabe aqui, posso afirmar – com tristeza – que o aniversário de 10 anos da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) este ano – política que ajudei a promover e aplicar, enquanto atuei no Ministério do Meio Ambiente, tem sido esforço de elefantes parindo ratos. Depois de dormir por 20 anos no Congresso, o PL que consagrou a PNRS foi aprovado no apagar das luzes do segundo mandato do Presidente Lula. Em dezembro, na ultima sessão do Congresso, as 11 horas da noite, em 2010. Depois de um esforço hercúleo e um “pacto” que reuniu o executivo, o legislativo e o setor produtivo.

A grande promessa da PNRS era erradicar os lixões – promovendo a maior onda de saneamento do País e responsabilizar financeiramente as empresas pelo descarte de itens não biodegradáveis ou contaminantes da água e solos, como pilhas, baterias, plásticos, tintas e solventes, eletrônicos, remédios, etc.

Além do chamado “descarte responsável “, a Política previa diminuição na fonte com redesenho ou substituição de embalagens e a famosa campanha pedagógica de diminuição de “sacolinhas” nos supermercados e pontos de venda.
Além desses aspectos virtuosos, a Política colocou no cenário a maior ação já vista de organização de catadores e combate à pobreza, destinando vultuosos recursos – públicos e privados – na montagem de usinas de reciclagem e cadeias produtivas com base em recicláveis.

10 anos depois, temos sucessivos adiamentos do cumprimento da Lei por parte do poder público: os municípios alegam não ter capacidade de investimento e os lixões continuam. As usinas de catadores estão em estado falimentar devido à baixa dos preços de recicláveis, estado este agravado pela recessão e pela pandemia.

Quanto à produção do lixo, ou seja na fonte, se de um lado houve um esforço verificável por parte do setor produtivo em mudar o padrão de embalagens (muito mais por questões de conformidade e ganhos econômicos do que por demanda do consumidor) na outra ponta houve pouco avanço. O consumidor, seja por cultura ou restrições econômicas, ou ainda ausência de serviços ou “facilities” não respondeu à altura. A quantidade de pessoas que separa o lixo cresce a passos de cágado nas estatísticas e o uso de reciclados ou recicláveis está, infelizmente, restrito a nichos dos chamados consumidores conscientes das classe médias urbanas.

E pior, os serviços públicos de coleta de embalagens e lixo contaminante vem diminuindo em vez de aumentar: tente descartar lâmpadas usadas, óleos, remédios, solventes e tintas para ver: tem que entrar no google e identificar grupos e pequenas empresas que cobram pelo serviço. E você jamais tem a certeza de que a destinação final se deu corretamente. Não há fiscalização nem acreditação.

Falar de certificações e rotulagem então, chega a ser ofensivo a qualquer cidadão medianamente inteligente.
Um fator preocupante – que emergiu sem dúvida com a Pandemia – está relacionado ao material médico e hospitalar tais como aventais, máscaras, luvas, sapatilhas, toucas e outros apetrechos descartáveis – insumos não biodegradáveis. Só para se ter uma idéia: em estabelecimentos de saúde as máscaras devem ser trocadas a cada quatro horas. Em ambientes com alta carga viral a cada duas horas. Imagine a multiplicação disso para as milhares de clínicas e hospitais nos municípios, estados, países, mundo?

Para onde está indo esse lixo todo? Uma grande parte para o ambiente, é claro.

Ambientalistas e técnicos da linha de frente da Conservação já denunciam a presença do “lixo da pandemia” em cursos d’água e oceanos – com as previstas e nefastas consequências.

Outro resultado negativo que pode ser atribuído à pandemia é o boom de vendas – portanto de consumo e descarte – de produtos de higiene e limpeza, como sabões, álcoois, desinfetantes de um modo geral. Tudo embalado em pet ou plástico: montanhas de embalagens sem reaproveitamento à vista.

Em outras palavras, celebra-se pequenas vitórias de um lado – como o retorno do uso do vidro para refrigerantes e remédios, e em seguida surge outra demanda que quase anula o esforço realizado.

Tudo com custo para saúde, para o bolso do consumidor e para o meio ambiente.

A ONU Ambiente afirma em sua campanha Salve os Oceanos, que em 2040 teremos mais plásticos nos oceanos do que peixes. Estudos cada vez mais robustos comprovam a presença de “microplásticos” (partículas infinitesimais) na água dos lençóis freáticos, nos peixes que comemos e em produtos alimentícios. O Homo Plasticus é uma realidade.
As tentativas de reduzir na fonte e na ponta da cadeia que vai da produção, consumo, descarte e destinação final avançam com dificuldades.
A chamada economia circular – que prevê uma ampla ação de conhecimento do ciclo de vida dos produtos e de combate à obsolescência programada – está conjunturalmente comprometida pela recessão. E ela não é só brasileira: uma década de dificuldades econômicas globais está anunciada.

No próximo texto, no qual completarei meus comentários, abordarei os aspectos positivos que os padrões de consumo alterados pela pandemia lega ao futuro próximo e ao “novo normal”.

Aguardem!

Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”. Foi vice-presidente do Conselho do Greenpeace de 2006-2008.

* Este texto foi escrito para o Site Envolverde e faz parte se uma série que venho publicando desde março do ano passado.

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Fonte