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Tem uma linda erva daninha crescendo e tirando a força da amendoeira aqui perto de casa. Cada vez que passo por ela tenho sentimentos diversos, que vão desde um profundo contentamento pela beleza de suas pequenas folhas até indignação: como podemos deixar matar uma árvore tão linda?
Nada como falar sobre plantas e árvores e natureza no dia em que a Primavera de 2020 desponta, trazendo uma enxurrada de água dos céus aqui no Rio. O isolamento social que venho respeitando de forma mais comedida me fez desenvolver um olhar mais acurado ao meu entorno. Minha rua virou meu mundo. Talvez esteja sendo um pouco dramática, mas a ocasião exige.
Por coincidência, encontro nas páginas de “Revolução das plantas”, de Stephano Mancuso – livro que, como já comentei aqui no post anterior, não tem saído de minha cabeceira – uma bela menção às ervas daninhas.
“Sempre amei ervas daninhas; sua capacidade de sobreviver onde não são desejadas sempre me fascinou, assim como sua inteligência e adaptabilidade”, escreve o autor.
Na mesma obra, descubro que o centeio, um cereal, uma gramínea, tido como menos nobre do que o trigo e usado hoje basicamente para alimentar gado, já foi erva daninha, vejam só! Mas isto foi há onze mil anos, quando o homem saiu da condição de nômade para ser sedentário. Em outras palavras, quando o homem preferiu se entregar ao conforto de poder plantar e colher num só lugar, perto de casa, sem ter que suar para correr atrás de sementes e de alimentos. Pensando bem, talvez tenha sido ali o começo de todos os nossos problemas. Até porque, alguns muitos anos depois, a humanidade percebeu também que poderia… ganhar dinheiro com os alimentos. E mais: que poderia investir em alimentos, transformá-los em capital fictício.
Daí para o discurso do presidente Bolsonaro hoje na ONU, quando ele diz que o mundo nunca precisou tanto do Brasil para se alimentar, são alguns muitos saltos. Não, como se sabe, saltos em direção ao bem estar, à saúde dos humanos, a um mundo mais justo e igualitário.
Mas, sigamos pensando em plantas, porque hoje é o dia delas. Ainda na leitura do doce e instigante livro de Mancuso, descubro que o centeio, que hoje pode ser comprado direto do produtor a R$ 2,30 o quilo, e no mercado a R$ 15,90, só se expandiu quando o cultivo de trigo e cevada alcançou regiões mais distantes do Crescente Fértil. Foi nesta região, que hoje é Palestina, Israel, Jordânia, Kuwait, Líbano e Chipre – países que, juntos, têm o formato de uma lua Crescente – que o homem passou a domesticar as plantas.
O centeio, portanto, de erva daninha passou a ser usado pelo homem como um grão comestível. Na sequência desta história, Mancuso resgata a história de uma praga atual, também comestível, mas esta bem perigosa: a Amaranthus Palmeri.
Vou chamá-la de Palmeri, se me permitem a intimidade. A espécime corrobora a tese de Mancuso, sobre a inteligência sem cérebro das plantas, porque conseguiu desenvolver uma resistência aos herbicidas impressionante. O perigo é este. Diferentemente do centeio, que se mimetizou com o trigo e a cevada, a Palmeri, fruto de solos pródigos em agrotóxicos, tornou-se uma resiliente aos venenos. Ou seja: comer uma Palmeri é ingerir, por exemplo, doses elevadas de glifosato.
A Palmeri é invasora, mas já chegou ao Brasil, em 2015, e vem sendo bombardeada de todas as formas, até com herbicidas consorciados. Aqui, Mancuso mostra sua semelhança ao discurso de Rachel Carson, bióloga precursora em alertar a humanidade para os perigos dos inseticidas em seu livro “Primavera Silenciosa”, que hoje também vale a pena ser retirado da estante. Tanto um quanto outro têm textos quase poéticos. E é dessa forma que mostram para a humanidade que administrar herbicidas em excesso destrói qualquer possibilidade de salvar nossos ecossistemas agrícolas.
Quanto à Palmeri, Mancuso escreveu: “Também seria bom lembrar que os danos causados ao meio ambiente enquanto tentamos detê-las são muito maiores do que os benefícios que podemos eventualmente obter nas colheitas. Supondo que essas colheitas continuem existindo…”, escreve ele.
Já que falei em Rachel Carson, vale lembrar também um pouco de sua luta contra o que ela chama de “biocidas”. A bióloga estudou a fundo e alertou as autoridades – na época dos Estados Unidos era John Kennedy – que não se brinca com venenos em plantas comestíveis.
Quando ainda era adolescente, morava na pequena cidade de Springdale, entre duas grandes usinas elétricas alimentadas a carvão. E foi percebendo como aquele pequeno lugarejo se tornou alvo de estranha praga que atacou as galinhas, adoeceu o gado, os carneiros, os homens. E silenciou os passarinhos. Uma praga criada pelo próprio homem, que somente no século XX conseguiu o poder de alterar a natureza do seu mundo.
“As substâncias químicas às quais se exige que a vida se ajuste não são mais somente o cálcio, a sílica, o cobre e todos os demais minerais lavados das rochas e carregados pelos rios até o mar: são as criações sintéticas da mente inventiva do ser humano, preparadas em seus laboratórios e sem equivalentes na natureza”, escreve Carson.
Dedico, portanto, essas reflexões errantes, a todos que, como Mancuso, Carson, colaboram para uma visão diferenciada do mundo. Em que há respeito pelo entorno, em que os humanos não se sintam superiores a bichos e plantas, mas se curvem ao bem estar que a convivência com esses elementos pode nos causar. Falo em bem estar, não em lucro, não em desenvolvimento. Porque se algum benefício esta maldita pandemia nos traz será provocar uma mudança de paradigma.
Entre esses pensadores, vou incluir Eça de Queiróz. Talvez não por acaso, o último romance que o escritor português do século XIX escreveu, chamado “A cidade e as Serras”, anda disputando com “Revolução das plantas” espaço na minha mesinha de quarto. Foi com muito grata surpresa que descobri no estilo deste autor, a quem sempre apreciei, um inusitado – para a época – amor à vida no campo.
O personagem principal se chama Jacinto, um nobre rico e enfadado de viver em Paris. Ele descobre que tem uma propriedade na pequena cidade serrana de Tormes, em Portugal. Empreende uma viagem longa e cansativa até lá e, em pouco tempo, o mau humor e impaciência dele se esvaem pelo encanto com as árvores, os rios e os pássaros. Sua saúde e alegria vão denunciando a potência da vida longe da cidade.
Reparem, por favor, que estamos falando de um romance escrito no século XIX. E olhem que, naquele tempo, ainda não havia conferências de cúpula globais sobre o clima para alertar as pessoas.
É sobre sensibilidade e contato com a natureza que estamos falando. Nada mais próprio para se refletir no início da Primavera do ano que todos nós gostaríamos de esquecer.
#Envolverde
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Fonte