POR – AVIV COMUNICAÇÃO / NEO MONDO
Expansão prevista para infraestrutura de gás natural liquefeito, ao custo de mais de US$ 1 trilhão, pode intensificar emissões de metano, um dos gases de efeito estufa mais potentes que existem, inviabilizando as reduções necessárias para conter o aquecimento global
Novos investimentos previstos em infraestrutura para exploração de gás natural liquefeito (GNL) podem triplicar a produção mundial nas próximas décadas, mas contrariam os objetivos do Acordo de Paris para reduzir o consumo de fontes fósseis, aponta um novo relatório publicado hoje nos Estados Unidos. Se eles forem adiante e as metas de redução de emissões forem cumpridas pelos países, o mercado energético arrisca perder mais de US$ 1 trilhão em “ativos encalhados” – ou seja, em equipamentos e estrutura instalados sem nenhum aproveitamento. Esse é o alerta da rede Global Energy Monitor (GEM), que publicou ontem (01/7) um novo relatório nos Estados Unidos sobre os impactos da indústria do GNL sobre o esforço global contra a mudança do clima.
De acordo com o relatório The New Gas Boom – Tracking Global LNG Infrastructure, pelo menos 202 projetos de terminais de GNL estão em desenvolvimento em todo o mundo, incluindo 116 terminais de exportação e 86 de importação. Os projetos triplicariam a capacidade global de exportação de GNL ao custo de US$ 1,3 trilhão. Em termos gerais, os países com mais investimentos previstos na expansão da infraestrutura de GNL são os Estados Unidos (US$ 507 bilhões) e Canadá (US$ 410 bilhões), seguidos bem distantes por Rússia (US$ 86 bilhões), Austrália (US$ 38 bilhões), Tanzânia e China (US$ 24 bilhões cada).
Em termos de aquecimento global, a expansão do mercado de GNL pode ter um impacto maior do que o do carvão, em grande parte devido às emissões fugitivas de metano em todos os estágios do ciclo de extração e fornecimento de gás. O metano é o principal componente do GNL e é responsável por 25% da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera da Terra atualmente. Desde 2014, os níveis atmosféricos de metano aumentaram em parte por causa de novas operações de fracking e de GNL.
De acordo com o relatório, os novos investimentos na infraestrutura levará ao aumento na produção e consumo de GNL, indo no sentido contrário daquilo defendido pelo Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (IPCC, sigla em inglês), que aponta para a necessidade de diminuir o uso de gás natural em 15% até 2030 e 43% até 2050 para limitar o aquecimento global em 1,5 grau Celsius neste século com relação aos níveis pré-industriais.
“O boom do GNL está acontecendo rapidamente, assim como metano está se tornando um fator significativamente pior do que se imaginava em termos de aquecimento global”, argumenta Ted Nace, diretor executivo da GEM e coautor do relatório. “Há uma década, o fracking em larga escala estava apenas começando, e não tínhamos ideia de que a América do Norte se tornaria um grande exportador de gás. Os cientistas ainda não tinham percebido quão grandes e potentes seriam as emissões fugitivas de metano. Ainda hoje, fala-se em gás natural como uma ponte para energias renováveis, o que contraria completamente os fatos”.
Devido à queda nos custos de alternativas renováveis, a expansão da infraestrutura de GNL pode enfrentar questões sobre viabilidade financeira de longo prazo e risco de ativos ociosos. No entanto, de acordo com o relatório, ainda há tempo para reverter esses investimentos, já que a maioria dos projetos ainda está em fase de pré-construção. Assim, ainda há tempo para uma moratória na infraestrutura de GNL antes que isso cause danos climáticos irreversíveis.
“O IPCC deixou claro que limitar o aquecimento a 1,5 grau Celsius exige reduções profundas nas emissões de metano imediatamente e a neutralidade de nossas emissões até 2050. Isso significa manter os estoques remanescentes de carvão no solo, reduzir pela metade o uso de petróleo e gás até 2050 e remover as emissões de metano resultante da produção e transporte de gás natural”, aponta Christiana Figueres, ex-secretária-executiva da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) e uma das arquitetas do Acordo de Paris. “Não há espaço para mais infraestrutura de longo prazo dedicada a combustíveis fósseis no mundo. As fontes renováveis estão ganhando cada vez mais espaço e, hoje, são muito mais baratas, limpas e de produção descentralizada do que os combustíveis fósseis, que são poluentes e ainda precisam ser transportados até o consumidor. Para os países inteligentes, o futuro é renovável”.
O levantamento é baseado no Global Fosssil Infrastructure Tracker (GFIT), um censo de instalações de petróleo e gás desenvolvido pela Global Energy Monitor. O GFIT usa a mesma metodologia que o Global Coal Plant Tracker (GCPT), que faz o mesmo tipo de análise para usinas de carvão e é usado por instituições como o Banco Mundial, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).