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Essa semana fui surpreendida pela notícia do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento sobre o pedido de revisão do Guia Alimentar para a População Brasileira ao Ministério da Saúde.
O Guia de 2014 traz informações relevantes sobre nutrição e pauta-se por um modelo saudável de alimentação, estimulando uma alimentação rica em alimentos in natura e desencorajando o consumo de produtos ultraprocessados. A solicitação atual do Ministério da Agricultura é fruto de inconsistentes críticas ao material, claramente visando incentivar o consumo de alimentos industrializados.
O Guia Alimentar tem como objetivo promover saúde e melhorar os padrões alimentares da população brasileira, além de servir como subsídio para políticas e programas nacionais de alimentação e nutrição no país. O Guia Alimentar foi concebido em resposta a recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), que, em tese, deveriam ser seguidas por todos os países membros.
Na época de seu lançamento, o Guia brasileiro foi mundialmente elogiado, especialmente devido à qualidade de suas recomendações alimentares e nutricionais, em contraste com a posição da ministra Tereza Cristina, que afirma, sem base, que teríamos “um dos piores guias do planeta”.
Apesar de ter como público alvo principal profissionais de saúde, auxiliando-os nas tarefas de educar e oferecer uma alimentação saudável à população, nosso Guia também visa ajudar todos aqueles que trabalham com pessoas em políticas públicas, de educação a serviço social, além, claro, de contribuir para que todos os cidadãos e suas famílias possam fazer escolhas de alimentação mais saudáveis.
O Guia defende a priorização de alimentos in natura e/ou minimamente processados, em detrimento de alimentos ultraprocessados. Aliás, a própria divisão dos alimentos por grau de processmento foi, em si, uma das críticas do governo ao Guia, supostamente por atrapalhar a implementação de diretrizes adequadas para a promover alimentação saudável para a população, o que não faz sentido.
O Guia também auxilia na escolha e variedade alimentares, além de orientar em combinações de refeições. Isso sem contar o fato de valorizar a riquíssima regionalidade alimentar do Brasil, levando em conta oferta e sazonalidade de alimentos, e de abordar diferentes formas de culinária.
Outro ponto brilhante do Guia – e muito elogiado por cientistas e profissionais da saúde – é a importância que ele dá ao ato de comer em si, ou seja, ao foco, ao tempo, ao espaço e à companhia envolvidos no processo de se alimentar, lembrando que comer é muito mais do que simplesmente ingerir nutrientes.
Com todos os pontos questionados, ficam algumas dúvidas sobre a decisão do governo de mudar o Guia: como é que o incentivo à alimentação simples e pouco processada pode interferir negativamente na saúde da população? Qual a vantagem de propagandearmos o consumo de refrigerantes e macarrão instantâneo, por exemplo, para nossas crianças? Como pode um material tão completo na prevenção de obesidade, diabetes e desnutrição ser tão duramente criticado?
Vale ainda ressaltar que o Guia foi feito por grupos de pesquisadores respeitadíssimos na área de alimentação e saúde pública, os quais basearam todas as suas recomendações em estudos científicos consagrados. Em contraste, no pedido de revisão apresentado pelo governo as inúmeras referências acadêmicas presentes no material inexplicavelmente foram omitidas, o que reforça ainda mais o tom descabido da solicitação do Ministério da Agricultura.
Faltam-me palavras para descrever a tristeza que essa situação me traz. Lembro-me na época do lançamento do Guia, em 2014, o orgulho que senti de ser nutricionista e poder contar com um material tão completo e significativo.
Comer comida de verdade é algo que devemos lutar incansavelmente. Não só nós, nutricionistas, mas todos os cidadãos brasileiros. É fundamental lutar por uma alimentação verdadeiramente saudável e simples, defendendo o acesso a alimentos de qualidade pela população, por meio da proteção e respeito à cultura alimentar brasileira.
Espero, sinceramente, que essa revisão do Guia não vá adiante. Para isso, inclusive, já existe um manifesto em circulação elaborado pelo Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP (NUPENS) e pela Aliança pela Alimentação, que vêm colhendo assinaturas contra o projeto do Ministério da Agricultura.
Vários grupos de pesquisa e órgãos de regulamentação na área da saúde também já se posicionaram veementemente contra a revisão do Guia, além do público em geral, por meio de criação de diversas hashtags.
Eu lutarei incansavelmente pela manutenção de práticas de alimentação seguras e saudáveis, pois é com só com alimentação de qualidade que avançaremos. Essa luta passa pelo fortalecimento dos esforços que vêm sendo construídos há anos nesse sentido, e que têm no Guia Alimentar um dos principais exemplos, e não pela sua desqualificação e destruição.
Texto escrito pela nutricionista Marcela Kotait.
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Fonte