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Sobre a seca no Cerrado e seu monitoramento

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Por Michael Becker – 

11 de setembro é o Dia Nacional do Cerrado, o segundo maior bioma da América do Sul e detentor de uma incrível biodiversidade, além de responsável por grande parte do sucesso do agronegócio exportador brasileiro 

Durante os últimos quatro anos o Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos (CEPF, na sigla em inglês) vem apoiando projetos de diálogo para o uso sustentável de recursos naturais no Cerrado. São aproximadamente 55 projetos que compreendem diferentes direções estratégicas descritas no Perfil do Ecossistema, que nos deram uma sólida base científica para o trabalho no bioma.

Desde a nossa primeira chamada ao final de 2016, fiquei surpreso com a quantidade de organizações da Caatinga que estavam à procura de apoio de projetos no Cerrado. Fiquei intrigado, pois não sabia se isso era um reflexo do aumento de aridez no Cerrado, do bom preparo das organizações da Caatinga ou da simples falta de recursos disponíveis para organizações do terceiro setor.

Comecei então a observar a questão da seca no Cerrado por um ângulo mais oficial. Olhei com pouco mais de atenção para o Monitor de Secas[1]. O Monitor de Secas é um processo de acompanhamento regular de secas, promovido pela ANA (Agência Nacional de Águas) e que tem sua origem em 2012, período de extrema seca no nordeste brasileiro. O objetivo principal do indicador é um alinhamento sobre as condições da seca, sua severidade e principalmente seus impactos sobre os setores envolvidos. O monitoramento de secas deve subsidiar a elaboração de planos em bacias hidrográficas, regiões metropolitanas e municípios para uma gestão mais proativa para enfrentar as secas.

Esse excelente trabalho promovido pela ANA sofreu algumas mudanças com maior frequência nos últimos anos. Nos primeiros 52 meses, desde o primeiro registro em julho de 2014 até outubro de 2018 não houve nenhuma alteração quanto ao número de estados inclusos no Monitor de Secas. Após esse período, Minas Gerais juntou-se aos estados do Nordeste. Em dezembro de 2019, somente 13 meses depois, o estado de Tocantins também fazia parte do grupo de estados monitorados quanto ao risco de secas. Em junho de 2020 Goiás e o Distrito Federal entraram na lista de estados e, finalmente, Mato Grosso do Sul foi adicionado em julho de 2020. A área monitorada praticamente duplicou e saímos de uma população estimada de 57 milhões de habitantes na seleção original de estados para 93 milhões na atual configuração.

A forma acelerada de inclusão de novos estados pode levar ao entendimento de que cada vez mais a seca, antes limitada ao Nordeste, se expande pelo centro do país. Basta saber se a sociedade consegue reagir de maneira coordenada com a mesma velocidade dessa expansão.

Os sinais não estão favoráveis para essa adaptação. Nos últimos anos os conflitos de água têm aumentado no sertão brasileiro. O caso mais emblemático ocorreu na cidade de Correntina, no oeste baiano, onde a população foi às ruas em novembro de 2017 em protesto contra o uso excessivo de água que abastece a cidade. Ao mesmo tempo, temos um aumento do número de projetos de irrigação para o agronegócio, que pretende aumentar a área irrigada de 6,95 Mha em 2015 para potencialmente 10,09 Mha em 2030[2]. Isso considera da demanda do setor, mas pode agravar questões de distribuição para outros usuários. Lamentavelmente, menos energia é investida na manutenção da oferta de água, na proteção de nascentes ou de áreas de recarga. No Cerrado tivemos uma perda de 408,6 mil hectares somente em 2019[3], o que representa um desmatamento de aprox. 1000ha por dia, além do passível ambiental já identificados de 5,3Mha entre reservas legais e APPs[4]. Institucionalmente, também não estamos bem preparados para a boa gestão do recurso hídrico. Os principais instrumentos de gestão de águas como a cobrança pelo uso da água ainda não foram implementados, mesmo 23 anos após a homologação da Política Nacional de Recursos Hídricos[5].

Mas existem alguns exemplos positivos de uma gestão compartilhada para evitar secas localizadas. No Distrito Federal, na Bacia do Descoberto[6], ONGs, agências federais e estaduais implementam o programa de restauração do manancial que abastece a capital. Uma estratégia similar é perseguida no projeto que tem seu núcleo no município de Extrema Minas Gerais[7], que faz parte da bacia do Rio Piracicaba. Finalmente menciono mais um projeto que trabalha junto com produtores para a proteção do recurso hídrico que é desenvolvido dentro da cadeia do café em Patrocínio, visando proteção da água e do solo em uma microbacias[8].

 

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Resta saber se esses esforços produzem o impacto necessário para mitigar as mudanças que são descritas em indicadores como o Monitor de Secas. Indicadores são como faróis que devem guiar políticas públicas de tal maneira para que todos os envolvidos cheguem a um porto seguro. O capitão e a tripulação devem estar sensíveis a luz do farol e saber ler os sinais para que possam navegar no canal e atracar evitando riscos desnecessários. Cabe a nos decidir quais os riscos que queremos correr com o aumento das secas no Cerrado e qual será o nível de adaptação que seremos capazes de aceitar.

[1] https://monitordesecas.ana.gov.br/mapa?mes=7&ano=2020

[2] Agência Nacional de Águas (Brasil). Atlas irrigação: uso da água na agricultura irrigada / Agência Nacional de Águas. – Brasília: ANA, 2017.

[3] Mapbiomas, Relatório Anual do Desmatamento no Brasil, 2019

[4] Planaveg: Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa / Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Ministério da Educação. – Brasília, DF: MMA, 2017

[5] Observatório das Águas: https://observatoriodasaguas.org/wp-content/uploads/sites/5/2019/12/REGI%C3%83O-CENTRO-OESTE.pdf

[6] https://www.ana.gov.br/noticias/ugp-do-programa-produtor-de-agua-no-descoberto-e-instalada

[7] https://www.extrema.mg.gov.br/conservadordasaguas/o-projeto/

[8] https://cerradodasaguas.org.br/

Michael Becker – Bacharelado e mestrado em Engenharia Ambiental (2003) pela Universidade Técnica de Cottbus (Alemanha) com ênfase em economia ambiental e gestão de recursos hídricos. Em agosto de 2003 iniciou seu trabalho no WWF-Brasil como técnico do Programa Água para a Vida, passando a assumir a coordenação do Programa Cerrado-Pantanal a partir de 2010. No âmbito destes programas incentivou o monitoramento contínua da cobertura vegetal da bacia Hidrográfica do Alto Paraguai; o fortalecimento de cadeias produtivas responsáveis na pecuária e na produção de carvão vegetal; o estímulo à criação de RPPNs e o fortalecimento de Mosaicos de Áreas Protegidas. Em agosto de 2012 foi promovido a superintendente de conservação e teve vários programas sob sua responsabilidade. Em 2014 assumiu novas responsabilidades em uma consultoria ambiental. Hoje é o responsável pela Equipe de Implementação Regional (RIT) do Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos (CEPF) do Hotspot do Cerrado no Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB).

 

 

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