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por Eduardo Jorge, Fábio Feldmann, Maria Stella Gregori e Maurício Brusadim* –
Apesar do panorama sombrio projetado no início da pandemia do coronavírus, previsões de vendas de veículos novos apresentadas recentemente pela ANFAVEA, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores, apontam para uma recuperação do setor. Mesmo assim, a representante dos montadores insiste no adiamento de requisitos legais que diminuem a emissão de poluentes, após ter obtido junto ao Conselho Nacional do Trânsito, a extensão de prazos para várias medidas que melhoram a segurança dos veículos (Resolução CONTRAN No 799 de 22/10/20).
As demandas da ANFAVEA se baseiam exclusivamente em previsões de vendas e no atraso que o desenvolvimento e testes para novas tecnologias sofreria neste cenário. É oportuno destacar que o ótimo desempenho do agronegócio e a pronunciada retomada da construção civil vem promovendo com vigor o mercado de veículos comerciais, especiais e máquinas agrícolas. No caso dos automóveis e ônibus, a recuperação do mercado é menos pujante, mas é um fato.
Veículos automotores são produtos que tem vida útil longa. Não é incomum ver em circulação veículos produzidos há mais de 30 anos com emissão muito alta e condições deploráveis de segurança. Aliás, a segurança veicular é uma área onde o Brasil avança de forma lenta. Enquanto grande parte dos veículos importados vem recheada de tecnologia que ajuda a prevenir acidentes e, caso ocorram, oferece maior proteção aos ocupantes, os veículos produzidos por aqui, especialmente os mais populares, sofrem de anemia tecnológica.
Acidentes de trânsito no Brasil causaram 40.721 óbitos em 2019 de acordo com a Líder, administradora do seguro DPVAT. Segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), entre 2009 a 2018 os acidentes de trânsito deixaram mais de 1,6 milhão de feridos, a um custo de quase R$ 3 bilhões para o Sistema Único de Saúde (SUS). O CFM estima que a cada hora, cerca de 20 pessoas dão entrada em um hospital da rede pública com ferimento grave em acidente de trânsito. As lesões provocam perdas econômicas substanciais para as vítimas e suas famílias, além de custos com tratamentos devido a redução ou perda de produtividade ou incapacitação permanente.
Apesar dessa triste realidade, a ANFAVEA pressionou desde o início do ano para que o adiasse medidas essenciais para a segurança de todos os veículos comercializados, obrigatórias há vários anos em muitos países. Algumas são simples e de baixo custo, como o aviso sonoro ou luminoso para afivelar os cintos de segurança. Outras são mais sofisticadas, como o controle eletrônico de estabilidade e tração que “segura” o veículo em curvas mais fechadas e pistas escorregadias. Simples ou avançadas, todas têm a função de salvar vidas.
Não satisfeitas com a economia conseguida com itens de segurança, as montadoras querem também atrasar medidas de controle da poluição. Alegam que as tecnologias já implementadas para atender exigências do PROCONVE, programa federal estabelecido em 1986 para o controle da poluição veicular, já reduziram, em média, cerca de 90% da emissão dos principais poluentes.
Mas as medições da qualidade do ar indicam que os valores observados são ainda insuficientes para que a população das principais cidades do país respire um ar limpo, em conformidade com as diretivas da Organização Mundial da Saúde (OMS). O forte crescimento da frota de veículos leves e pesados, a intensificação no uso de veículos motorizados e o grande número de veículos altamente poluidores em circulação devido a manutenção deficiente e idade avançada, fazem com que o problema persista.
As áreas urbanas do país são habitadas por cerca de 81% da população e nelas, os veículos são a principal fonte de poluição. Centenas de estudos dos principais centros de pesquisa do mundo confirmam que a poluição do ar causa diversas doenças e, infelizmente, também óbitos. Estimativas da OMS associam a poluição do ar a mais de 4 milhões de mortes por ano no mundo. É um fenômeno que muitas vezes não recebe a devida atenção porque mata de forma silenciosa, menos evidente do que acidentes de trânsito.
São desafios que precisam ser enfrentados com urgência e seriedade, pois o Brasil ainda está na idade da pedra com relação aos cuidados com veículos em circulação e à segurança veicular e viária. São realidades que não devem servir de justificativa para se negligenciar um controle mais apurado dos veículos novos, medida adotada em 2018 pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente, que estabeleceu novas etapas para o PROCONVE a partir de 2022, com impactos positivos até 2031.
Atrasar medidas já definidas e de grande interesse social e ambiental, significa fechar os olhos para o presente e pendurar a conta no futuro, o que deve ser repudiado veementemente pelas autoridades responsáveis.
*Eduardo Jorge é ex-deputado federal, candidato a vice-presidente e ex-secretário do verde e do meio-ambiente de São Paulo;
*Fábio Feldmann, ex-deputado federal, ambientalista e consultor, criou o rodízio de automóveis em São Paulo em 1997 e é autor da lei que criou o Proconve em 1993;
*Maria Stella Gregori é advogada, especialista em direito do consumidor e professora da PUC/SP;
*Maurício Brusadim é ex-secretário estadual do meio-ambiente;
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Fonte