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O humor nos salva do tédio e da tristeza, principalmente durante a pandemia. Muitas pessoas têm recorrido aos canais da internet para se distrair da dura realidade que estamos vivendo. Nesta semana, porém, para além do riso, algo interessante aconteceu no universo do humor, mostrando que diálogo e reflexão podem mudar o rumo da vida de muita gente, inclusive dos próprios humoristas. Após a publicação do vídeo “teste de covid” do grupo humorístico Porta dos Fundos, no qual um rapaz interpretado pelo ator Fabio de Luca, suspeito de estar com o vírus, recebe o resultado de seu teste negativo para a doença, eclodiu uma importante discussão sobre gordofobia.
(O vídeo foi ocultado pelo canal após as críticas)
Fabio é um homem gordo e, durante todo o vídeo, sofre agressões verbais da recepcionista do laboratório, desde críticas ao funcionamento do seu organismo a ataques à maneira como se alimenta, gerando a impossibilidade, segundo ela, de o vírus querer se alojar em seu corpo pelo fato de ele ser “podre”.
Antes de mais nada, é importante relembrar o que é gordofobia
A gordofobia se expressa de várias maneiras, de aversão e preconceito ao corpo gordo ao entendimento de que todo corpo gordo seria doente ou indigno de usufruir direitos básicos, como o direito a serviços de saúde. Além disso, o estigma atrelado ao corpo gordo é de preguiça, lentidão e cansaço. Da mesma forma, pelo prisma da gordofobia, toda pessoa gorda basearia sua alimentação em comidas altamente calóricas e pouco nutritivas, além de comer sempre em grandes quantidades, de maneira voraz e a todo o tempo.
Com a publicação e a repercussão do esquete do Porta dos Fundos, militantes body positive – ou corpo livre – debateram suas ideias com o grupo de humoristas, que prontamente se mostrou aberto para os ouvir. O líder do grupo, Fabio Porchat, fez lives em seu Instagram para conversar sobre o assunto. No final, mais que pedidos de desculpas, o grupo de humoristas agradeceu pela oportunidade de aprender com quem sofre preconceito diariamente em razão da forma física. O vídeo foi tirado do ar e regravado com outro ator, desta vez magro.
Veja a nova versão do vídeo, com outro ator:
No entanto, o mais interessante aconteceu com o ator gordo que estava no centro dessa discussão, Fabio de Luca. Em vídeos emocionantes, Fabio compartilhou várias vezes durante a semana os efeitos que esse episódio trouxe para si em termos de autoconhecimento. O ator compreendeu que frequentemente propagava, de maneira automática e inconsciente, a gordofobia em suas próprias apresentações. Chegou a dizer, por exemplo, que usava humor e chacota em relação ao próprio corpo como maneira de se proteger de ataques e falas de outras pessoas sobre seu porte físico. Entendeu, portanto, que é possível ser gordo e gordofóbico ao mesmo tempo. A partir de então, veio sua libertação: repensar seus próximos papeis e sua relação com o corpo.
Fabio entendeu que é possível viver uma história pacífica com o próprio corpo a partir do momento que ressignificamos seu valor, desvencilhando-nos de padrões estéticos socialmente impostos, e fortalecendo nossa autoestima por meio de cuidado e atenção aos sinais enviados pelo corpo. O humorista traz agora vontade de se alimentar melhor, de se exercitar e de se amar mais. Isso tudo a partir do momento em que percebeu que é mais do que o gordo. Agora, antes de tudo, ele é Fabio de Luca.
Costumo dizer que corpos não são públicos nem passíveis de comentários. A liberdade de sermos quem somos passa também pelo corpo que temos. Nenhuma forma corporal deve ser objeto de críticas ou debates. O Porta dos Fundos errou, mas se redimiu ao estar aberto para o diálogo e a reflexão sobre um tema tão importante e delicado. Talvez a melhor consequência dessa história é que ela mostrou não só para Fabio, mas para outros gordos e magros, a centralidade de se respeitar o próximo. E respeito que passa pelo corpo é também respeito à individualidade e à liberdade. E nada mais característico do humor do que isso, não é mesmo?
Texto escrito pela nutricionista Marcela Kotait.
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