Ter o diagnóstico de HIV em mãos aos 21 anos foi como uma sentença de morte para Teresinha Martins. Era 1987, cinco após a identificação da AIDS no Brasil, pouco se sabia até então sobre o vírus da imunodeficiência humana e sobre a doença. O mundo vivia uma epidemia e, enquanto se administrava o primeiro medicamento antirretroviral para tratar os sintomas, mais e mais pessoas morriam.
“Numa sala do hospital Emílio Ribas [SP], o médico nos informou que não havia muito o que fazer. Era somente acompanhar a evolução da doença e tratar as possíveis infecções oportunistas”, conta Teresinha em entrevista à Catraca Livre.
O maior medo dela era morrer e deixar o filho, que tinha apenas dois anos. “Perguntei quanto tempo era possível viver com essa doença. Na época, não tinha o conhecimento da diferença entre estar com HIV de estar doente de AIDS. A resposta foi de 6 meses a 2 anos”, lembra.
Em meio ao estigma e ao medo, foi no isolamento que ela e o namorado – também diagnosticado com o vírus – encontraram refúgio. Foram 10 anos de silêncio até aparecerem os primeiros sintomas, e ela resolver se abrir com a mãe, que lhe deu todo o apoio para que pudesse enfrentar aquela fase.
De lá para cá, o tratamento evoluiu, Teresinha hoje está com a carga viral indetectável (HIV intransmissível) e atua como assessora de projetos sociais no Grupo de Incentivo à Vida (GIV), que luta pela garantia dos direitos dos soropositivos.
Para ela, somente ampliando o diálogo sobre o HIV é que irá se combater o preconceito. “Ainda acham que podem se infectar num abraço ou compartilhando pratos, talheres e outros utensílios”, lamenta.
Confira abaixo o relato dela na íntegra:
“Recebi meu diagnóstico em 1987, numa época em que era a mesma coisa que uma sentença de morte. Estava assintomática, pois descobri através do meu namorado que havia doado sangue e que foi chamado para refazer o teste (nessa época já estavam realizando o teste de HIV no sangue doado).
Numa sala do hospital Emílio Ribas, o médico nos informou que não havia muito o que fazer. Era somente acompanhar a evolução da doença e tratar as possíveis infecções oportunistas. Daí perguntei quanto tempo era possível viver com essa doença. Na época não tinha o conhecimento da diferença entre estar com HIV de estar doente de AIDS.
A resposta foi de 6 meses a 2 anos. Nessa hora, só pensei como seria deixar meu filho que tinha apenas 2 anos. E pedi a Deus que eu pudesse vê-lo crescer um pouco mais. Então decidimos continuar nossas vidas na mesma rotina e quando ficássemos doentes voltaríamos ao hospital.
O medo era o meu maior companheiro. Mas ainda assim pensei: se não há o que fazer, vou viver enquanto der da melhor maneira possível.
Mais de dez anos se passaram. Em alguns momentos, cheguei a pensar que aquele resultado não era verdadeiro, mas sim, era verdade… No ano de 1998, apareceram os primeiros sintomas. A AIDS já não era algo desconhecido. Acompanhava as notícias na TV, artistas famosos já haviam morrido e o coquetel estava disponível. Mas infelizmente eu esperei adoecer para procurar ajuda. Foi o momento mais complicado, pois apareceram diversas infecções e, ao mesmo tempo que tinha que tomar o coquetel para o HIV, também tomava diversos remédios para tratar as infecções oportunistas.
Resolvi contar para minha mãe pouco tempo antes de adoecer, uns quatro meses antes. Ela já sabia bem como era essa situação, pois ajudou a cuidar do filho de uma amiga, que infelizmente morrera em decorrência da AIDS.
Seu apoio foi fundamental. Ela me disse: “Filha, estou aqui pro que der e vier”. Me acompanhou todo o tempo em que eu fiquei muito doente. Fase muito difícil, senti vários dos efeitos colaterais dos medicamentos, mas aos poucos fui recuperando minha saúde.
Hoje, as medicações são mais eficazes, ao mesmo tempo em que os efeitos adversos são bem menores. Na terapia de hoje, não sinto nenhum desses efeitos. Mantenho minha carga viral indetectável e meu CD4 alto. Ah e nem lembro mais da última gripe ou resfriado! Portanto, posso dizer que sim: dá para ter qualidade de vida vivendo com HIV.
Outra coisa que me ajudou demais quando adoeci foi conhecer o GIV (Grupo de Incentivo à Vida), ONG que me acolheu, lugar onde eu tive acesso à informação dos meus direitos e como conviver da melhor maneira possível com o HIV. Conheci pessoas que se tornaram amigos(as), tenho muito momentos felizes lá e também me engajei no ativismo para continuar lutando pela vida e pelos nossos direitos.
Mas o mais importante é que foi nesse espaço de acolhimento com respeito e carinho que me fortaleci para revelar ao meu filho. Não foi nada fácil pra ele lidar com a ideia de que eu viveria pouco. Bom, foi assim que ele pensou quando revelei a ele meu diagnóstico. Aos poucos, ele também foi entendendo que não era assim. Depois de conviver com outras pessoas no GIV e constatar que era possível viver bem, hoje ele sabe que podemos morrer de qualquer outra coisa, quase nunca se sabe como, quando ou onde.
Mas, infelizmente, em relação ao estigma e preconceito existentes na sociedade, posso dizer que pouco mudou. As pessoas ainda julgam o comportamento sexual em vez de acolher. Ainda acham que podem se infectar num abraço ou compartilhando pratos, talheres e outros utensílios. Se afastam por medo de serem confundidas por outras pessoas que possam achar que elas também tenham o vírus.
Para combater de fato o vírus, precisamos investir mais nas campanhas contra o preconceito e também ampliar e muito a divulgação das novas tecnologias de prevenção, como PEP, PrEP, I=I (indetectável = intransmissível), testes regulares e tratamento de outras ISTs.
Enfim, tivemos uma enorme evolução biomédica para combater o vírus, mas, na verdade precisamos mesmo é combater o preconceito.
Meu nome é Teresinha Martins, tenho 53 anos e sigo vivendo com HIV da melhor maneira possível.”
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