Vozes pela Amaznia: O Brasil est numa posio de ouro, diz economista - Ecoo

Vozes pela Amaznia: O Brasil est numa posio de ouro, diz economista

So Paulo Durante mais de duas dcadas em misses como economista ambiental snior do Banco Mundial, o mineiro Gunars Platais rodou o mundo mostrando aos governos nacionais que as florestas valem mais de p do que tombadas. Esta no uma tarefa fcil.

Precisamos falar na lngua da tomada de deciso, que uma lngua econmico-financeira, e para isso precisamos trabalhar para transformar cincia em nmeros capazes de demonstrar que descuidar do meio tem um custo alto, defende.

Platais foi fundamental na introduo de conceitos como Pagamento por Servios Ambientais (PSA) em nvel operacional nos pases em desenvolvimento. Projetos de PSA baseiam-se na oferta de incentivo financeiro para quem ajuda na conservao e manuteno dos servios ambientais. H mais de 12 anos, o Congresso brasileiro discute o projeto de lei de regulamentao de pagamentos por servios ambientais por aqui.

Para o pesquisador,o maior desafio internalizar as preocupaes ambientais no processo de tomada de deciso, seja em nvel local, regional, nacional ou global. Mas o Brasil est numa posio de ouro, segundo ele, por possuir uma biodiversidade nica e ter a Amaznia, que fornece um servio mundial essencial: a regulao climtica. Afinal, quanto menos floresta de p, mais aquecimento global. Precisamos saber como mercadejar isso, defende.

Gunars falou ao site EXAME por telefone da Universidade do Colorado, onde atualmente pesquisa sobre mecanismos financeiros inovadores de conservao ambiental. O economista ambiental e membro da Rede de Especialistas de Conservao da Natureza (RECN) contou como possvel explorar economicamente o potencial da floresta, sem desrespeitar os povos tradicionais e o meio ambiente. Confira na ntegra abaixo:

EXAME: O governo brasileiro se declara um defensor do desenvolvimento econmico da Amaznia. Segundo o presidente Jair Bolsonaro, a regio a mais rica do planeta e pode se tornar a alma econmica para o crescimento do Brasil. Parte da estratgia passa pela extrao de matria prima e produo primria. A explorao de recurso natural o caminho para um pas alcanar o desenvolvimento sustentvel?

Platais: Olha, isso uma coisa to triste de ouvir. Essa viso daquele desenvolvimento dos anos 1970, ns j tentamos isso. No funciona. Aonde isso vai nos levar? Vamos transformar a Amaznia num pasto gigante cheio de barragens? A concentrao de florestas ali tem um impacto sobre o sistema climtico planetrio, como tem sido demonstrado h anos pelos cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amaznia, como o eclogo Philip Fearnside [leia a entrevista com Fearnside aqui]. Temos maneiras to mais razoveis de usufruir do potencial da floresta.

A biodiversidade ouro, uma coisa que o resto do mundo no tem. Do ponto de vista econmico, falando de forma bem grosseira, quando voc tem um produto escasso, o valor aumenta. Para isso, precisamos de estadistas, pessoas de viso, que encaminhem o Brasil para o futuro por meio de polticas que coloquem o pas num ponto em que possamos negociar todos os benefcios da biodiversidade e dos servios ambientais da Amaznia. E isso no tem acontecido. Ns exploramos to pouco o potencial da biodiversidade para gerar novos produtos e farmacologia. Nossa sorte que temos o Inpa, que vem trabalhando paulatinamente mesmo com os cortes e abalos sofridos, e continua a fazer um trabalho de grande valor, reconhecido mundialmente.

A Amaznia tem um futuro, mas no esse futuro desenvolvimentista, no qual se entra com tratores e correntes para botar tudo abaixo para explorao predatria. E a, quando acabar a floresta, o que sobra? Vamos chorar as perdas que tivemos e as riquezas que poderamos ter tido.

EXAME: Como possvel forjar um modelo de economia que respeite a floresta e as populaes locais?

Platais: uma questo de olharmos para a economia da biodiversidade, a chamada bioeconomia, e enxergarmos o valor da nossa biodiversidade que fantstica, muito maior do que uma pedao de madeira ou uma pepita de ouro. Em outras palavras, a soma das partes maior do que partes individuais. Nossa floresta tem valor que vai alm disso tudo. Agora, temos um trabalho importante de convencer e demonstrar esse valor.

Claro que todos os povos da Amaznia tm direito igualmente aos benefcios da cultura moderna, mas o governo pode garantir isso sem destruir essa maravilha que temos. Como se faz isso? Trabalhando primeiro com a valorizao dessa biodiversidade e os recursos naturais. H ainda alguns pontos conflituosos quanto sustentabilidade da extrao de produtos, que pode acabar sendo sobrepujada pela lgica econmica financeira tradicional a despeito do meio ambiente. Felizmente, existem esforos para entender melhor essa relao, de que maneira possvel explorar a bioeconomia.

Outro exemplo a farmacologia, que tem um potencial significativo, e o turismo ecolgico, um ramo que tem crescido significativamente mundo a fora. Outra atitude para minimizar impactos ambientais ter um bom planejamento de uso da terra. Para isso, o Brasil precisa escutar seus cientistas. Ns sabemos que a devastao de florestas para prticas econmicas insustentveis intensificaro a crise climtica. J preserv-la e reflorest-la ajuda a frear esse processo.

Assim, temos que colocar nossas florestas na bandeja e dizer ao mundo olha, isso aqui tem um valor significativo para vocs, cada quilmetro quadrado destrudo impacta no aquecimento global. Ns temos a Amaznia fornecendo um servio mundial e ento precisamos saber como mercadejar isso.

Internamente, o ecossistema amaznico em si de imensa importncia e significncia para os padres meteorolgicos regionais. A floresta tem uma contribuio para as chuvas que chegam no Cerrado e abastecem a economia da regio, muito baseada em plantao de soja e criao de gado. Da a importncia de trazer o agronegcio para esse processo de valorizao do servio ambiental. Vejo que o setor est atento a isso, mas muito em funo da presso internacional, j que o Brasil o maior exportador de carne bovina do mundo e os pases europeus se preocupam com a origem da carne.

EXAME: O sr. trabalhou muitos anos do Banco Mundial, que possui regras de compliance e orientaes para incentivar ou obrigar empresas e fundos internacionais a obedecer a uma lgica global de respeito ao meio ambiente. Tudo indica que Brasil est quebrando essa lgica. H riscos de se fazer isso?

Platais: Absolutamente. A partir do instante em que o consumidor chega e diz que no quer e no compra, acabou. Agora, como do ponto de vista da produo vamos poder certificar que o produto fsico ou aquele quilo de carne vem de uma rea que no foi desmatada, ou ao contrrio, como o consumidor europeu vai poder identificar isso? Esse um ponto importante que o Brasil tem olhar com cuidado para poder convencer o consumidor consciente de que o produto no vem de rea desmatada.

Alm disso, existe uma quantidade grande de fundos de penso, como os escandinavos, com mais de um trilho de dlares disponveis para investimentos que sejam verdes. H empresas de seguro e de resseguro que tambm buscam isso. Em toda minha carreira trabalhando com mecanismos de conservao ambiental, estamos buscando maneiras de demonstrar que tais investimentos so realmente verdes e sustentveis. So pouqussimos os projetos que conseguimos fazer isso. O Brasil com toda nossa criatividade, poderia fazer coisas maravilhosas nesse sentido, o que aumentaria ainda mais o investimento estrangeiro direto no pas. Se pudermos demonstrar para esses fundos que temos projetos que atendem s preocupaes quanto sustentabilidade.

EXAME: Em julho, Alemanha e Noruega suspenderam os repasses de recurso para o Fundo Amaznia, maior mecanismo de cooperao internacional focado em floresta tropical e tambm um importante instrumento de preservao no Brasil. Na ocasio, o governo desdenhou das doaes. O sr. considera esse tipo de atitude razovel?

Platais: Estamos falando em um valor de cerca de 280 milhes de dlares, no um montante desprezvel. Esse repasse beneficia ao menos 100 projetos de preservao ligados ao governo estadual, sociedade civil e programas de rgos federais, como Ibama. Mas um valor que o Brasil por si s teria capacidade de gerar e dedicar Amaznia. Acontece que os recursos que so repassados para o Ministrio de Cincia e Tecnologia e para o Ministrio do Meio Ambiente, esto cada vez menores, principalmente sob o governo atual.

Ento, qualquer recurso que tenhamos disposio muito importante, como o caso dessas doaes estrangeiras. No atual ambiente poltico do Brasil, no acredito que esse valor sair de outro lugar. Ento, um montante absolutamente importante. E a significncia que isso tem para conhecer melhor o bioma amaznico, as relaes das comunidades locais com sua floresta, a possibilidade de trazer esses produtos da biodiversidade para o mercado, tudo isso so coisas apoiadas por esses projetos e fundamentais para evitar que a Amaznia vire pasto.

EXAME: Recentemente, um relatrio da consultoria Fitch Solutions Macro Research sugeriu que no futuro a carne vermelha pode ser alvo de impostos mais altos devido s crticas ao papel do setor agropecurio na mudana climtica e no desmatamento. Tributar a carne seria uma soluo?

Platais: Isso me fez pensar na ideia do certificado de origem. Ento, a gente estabelece um processo com certificado de origem geogrfica fixa. Uma vez que uma rea certificada como sendo de no desmatamento, ento voc teria a possibilidade de isentar aquela carne de uma tributao ou aumentar as taxas cobradas em regies que no tem certificao. Voc coloca a etiqueta no produto discriminando a origem, e o consumidor pode decidir sobre comprar ou no. No final das contas, o consumidor o rei. No sistema de mercado, ele que manda. Se conseguimos chegar nesse consumidor e convenc-lo de que se trata de um produto de qualidade que no afetou o meio ambiente, por a que temos que caminhar.

EXAME: H mais de 12 anos o Congresso discute o projeto de lei de regulamentao de pagamentos por servios ambientais (PSA). Um dos principais obstculos a falta de dinheiro. Como possvel destravar isso?

Platais: Pagamento por servio ambiental funciona basicamente assim: voc d incentivo financeiro para quem ajuda na conservao e manuteno dos servios ambientais.

Voc precisa ter algum que est fornecendo um servio e algum que quer pagar por ele. Por exemplo, no estado do Esprito Santo tem um programa estadual de pagamento por servio ambiental chamado Projeto Reflorestar, que bastante exitoso. O Reflorestar trabalha com a ideia de diminuir a quantidade de pastagem degradada, que causa sedimentao no rio e carrega sedimentos at Vitria ao ponto de captura de gua da Cesan [Companhia Esprito Santense de Saneamento]. Ao receber uma gua cada vez mais trbida, a Cesan precisa ento aumentar a capacidade de filtragem da suas plantas de tratamento de gua, j que as chuvas carregam mais lodo e sedimentos.

O pagamento por servio ambiental faz todo faz sentido para a empresa, cujas plantas de tratamento esto rio abaixo. Ento, a Cesan paga aqueles agricultores rio acima para que cuidem daquela pastagem de tal maneira que reduza a produo de sedimentos, afinal quanto menos sedimento chega na planta de tratamento, mais barato para a concessionria tratar essa gua que ser servida aos capixabas. Ou seja, a Cesan em vez de estar pagando para aumentar sua capacidade de filtragem, atravs de plantas maiores, eles simplesmente alocam recurso para um esquema como o Reflorestar e fazem com que o agricultor, que voluntrio no programa, seja um parceiro na manuteno da qualidade da gua. uma relao de ganha-ganha. A concessionria gasta menos pagando o agricultor, e tem um resultado melhor, e o agricultor no final das contas tem um rendimento maior, e alm disso tem o benefcio de que as reas reflorestadas aumentam a biodiversidade que acaba gerando uma produtividade maior, dado que gado ganha um pasto melhor e com mais sombra.

Ou seja, o dinheiro para destravar programas assim deveria vir a partir de um clculo para medir justamente esse tipo de ganho pelo pagamento de servios ambientais. Tipicamente, estamos falando de projetos locais, estaduais. A nvel de Brasil, nacional, complicado, porque cada regio tem sua particularidade. Mas na ponta de lpis, questo de sentar e analisar caso a caso, estabelecer bem as regras.

EXAME: possvel estabelecer um programa nacional de PSA?

Platais: Veja s, o Mxico tem um programa de pagamento por servios ambientais da floresta com abrangncia nacional em curso h mais de 15 anos, que gira de 200 a 400 milhes de dlares ao ano. A China tambm est fazendo isso agora, com o maior pagamento por servio ambiental do mundo. Obviamente, um regime diferente com um governo central determinado a fazer isso, mas o Brasil tambm tem capacidade de fazer isso, s sentar e calcular os nmeros, uma questo de vontade mesmo. Tambm preciso participao local, anuncia da populao envolvida no esquema. Voc pode ver o exemplo do municpio de Extrema, em Minas Gerais, impressionante o trabalho realizado com apoio da populao. No Brasil, como temos essa mania de fazer tudo federal, tudo grande, s vezes demora para sair do papel um programa de PSA. Deveria ser uma lei marco, e pronto, se no nos perdemos em detalhes difceis de serem resolvidos dada a infinidade de situaes que voc teria em diferentes contextos no pas.

EXAME: Como angariar recurso financeiro para programas de PSA nesse momento de corte de gastos pblicos que o Pas atravessa? Buscar dinheiro no setor privado e no mercado um caminho possvel? Ou um modelo de financiamento misto, com recursos pblicos e privados?

Platais: Olha, temos financiamentos entrando para programas de PSA que vem de todos os lados. Lembro do programa na Costa Rica, onde fui gerente, tinha fonte que vinha de vrias entidades privadas, como a companhia de cerveja local que repassava valores para a entidade que gerenciava PSA no local para garantir que a gua tivesse um certo nvel de qualidade, tinham hotis que pagavam pela manuteno daquela beleza cnica, tinha a companhia de luz [que era do governo] contribuindo. As fontes podem ser diversas e dependem de quem est se beneficiando pelo servio ambiental.

EXAME: O mercado internacional tem apresentado apetite por ttulos verdes, ou green bonds, que so instrumentos de dvida emitidos por entidades em que os recursos captados so usados para financiar projetos e ativos sustentveis. Como o Brasil pode surfar essa onda?

Platais: H alguns anos, o Banco Mundial os forests bonds, voltados ao financiamento de manejo sustentvel em florestas tropicais. Foram 500 milhes de dlares lanados na bolsa de Londres e foi um sucesso. Isso indica o apetite que o mercado tem por esse tipo de oferta. A questo demonstrar que o produto realmente verde. Se o agronegcio entrar nessa onda, por exemplo, seria possvel pensar em criar um bond da soja sustentvel. Tem vrias ONGs grandes, como a TNC, que est olhando isso com cuidado para ver como desenvolver os green bonds na floresta. Tem vrios bancos e conglomerados atentos a esse movimento, pois o mercado demonstrou que tem interesse em investimentos verdes e sustentveis. Seria muito sbio por parte do agronegcio e do prprio setor ambiental brasileiro aproveitar melhor esse instrumento. Tem muito dinheiro l fora buscando projetos e no existem projetos suficientes.

Tambm temos que explorar os mecanismos da tecnologia a favor do meio ambiente. Hoje, temos uma gerao de jovens empreendedores, com startups e projetos baseados em celular, fazendo tantas coisas atrativas. Imagina essa rede voltada para despertar a conscincia das pessoas para a questo ambiental? Imagina que coisa mais linda se o brasileiro, que hoje no tem ideia da importncia da sua biodiversidade, tivesse um orgulho dessa riqueza e passasse a valoriz-la mais. Essa valorizao faz os bolsos se abrirem, as pessoas passam a apoiar porque acreditam naquilo.

Eu sou parte do laboratrio de sustentabilidade e inovao, e justamente o que buscamos como alcanar inovao para caminharmos para uma sustentabilidade real.

Precisamos ligar os pontos, conectar o consumidor ao financiador e realidade local e fazer com que projetos fluam. Juntar quem oferece e quem demanda, e garantir institucionalidade, que fundamental para se ter governana e transparncia. As pessoas tem que saber que o dinheiro est vindo na direo certa. No Mxico, que j citei anteriormente, nos primeiros projetos de PSAs, situados em comunidades ao redor de florestas, o dinheiro estava entrando no bolso de alguns lderes. Ento, a gente modificou a institucionalidade e agora o dinheiro entra para a comunidade atravs de uma comisso, que decide sobre a distribuio do recurso. Temos que experimentar, ir em frente e fazer ajustes onde for necessrio. Isso serve para os PSAs Brasil, no pode ficar to amarrado com tanta regra, o negcio simplificar.

EXAME: Pensando nos povos indgenas, que esto sob o holofote do governo, h um discurso sobre levar desenvolvimento para os povos da floresta. Que instrumentos existem para garantir a sobrevivncia dessas populaes, respeitando sua cultura, territrio e a biodiversidade que protegem?

Platais: O primeiro passo respeitar a identidades desses povos, sua cultura, respeitar o direito que eles tm da terra, cumprir a legislao e no permitir que a grilagem avance sobre as terras indgenas. Tem que respeitar e ouvir. Eu trabalhei num projeto de sade no Mxico baseado na implementao de clnicas de sade nas comunidades indgenas. Construram clnicas modernas, tudo lindo, branco, claro, com cermica e tudo mais. Os grupos indgenas entraram s uma vez e saram correndo. Afina era tudo branco, e branco para eles significa morte. Houve uma falta imensa de comunicao com aqueles povos. Redesenharam o projeto e agora adaptaram o espao para melhor receber os indgenas, respeitando suas crenas e culturas. As maternidades tm espao para as mulheres terem seus bebs de ccoras, tem espao para receber a famlia inteira da grvida, no uma coisa isolada.

Voc tem que ouvir as populaes para que as solues apropriadas sejam tomadas dentro da mstica e viso do povo. Isso retoma questo do planejamento do uso da terra. Terras indgenas so terras indgenas. J est marcada pela lei. No sei como podem inventar de invadir terra indgena para abrir garimpo. No vamos conseguir avanar se no for por um caminho sustentvel. Ns precisamos encontrar esse meio da rua de tal maneira que possamos fazer isso sem devastar mais.

EXAME: Qual o desafio para estreitar a distancia entre o conhecimento gerado pelos cientistas e economistas ambientais como o sr., e mesa de deciso dos governantes?

Platais: Ns como ambientalistas e pessoas que defendem a ecologia e biodiversidade no temos feito um bom trabalho de realmente falar na lngua da tomada de deciso, que uma lngua econmico-financeira. Precisamos trabalhar para transformar a cincia do ambiente em nmeros, que possam demonstrar que descuidar do meio tem um custo significativo. Precisamos transmitir essas informaes de forma que as pessoas possam se identificar e se mobilizar para fazer algo a respeito.

O Brasil agora em setembro teve a reunio bianual de economia ecolgica, a Ecoeco, e a cada ano tem mais pessoas apresentando trabalhos e um pblico crescente. Isso indica o aumento do conhecimento e capacidade que temos de reconhecer o valor que tem o ambiente e a biodiversidade para a sociedade brasileira. Ns brasileiros lideramos esforos dessa natureza e precisamos avanar. A dificuldade a seguinte e vou te dar um exemplo prtico. Quando eu vou em misso onde trabalho com governos para implementar algum projeto ambiental, no final das contas ns tipicamente temos uma reunio com o ministro do meio ambiente, mas as reunies mais importantes sempre so com o ministro de finanas, que quem toma a deciso.

O ministro do ambiente quem recebe o recurso do governo. Numa reunio de gabinete, com vrios ministros, o do ambiente diz que precisa de 20 milhes de dlares para abrir uma reserva onde ocorre uma espcie endmica que sem proteo pode ser extinta, chega o ministro da sade e diz: me d 20 milhes e eu vou salvar crianas de no terem eventos diarreicos evitando que tenham problemas de desenvolvimento cerebral no futuro. Quem ganha? O ministro da sade. De um ponto de vista humanstico, faz todo sentido. Agora, se o ministro do meio ambiente diz assim: olha, eu preciso desse dinheiro porque vou proteger as bacias hidrogrficas rio a cima e dessa forma vou garantir que a gua que chega s cidades tenha uma tal qualidade que evitar a diarreia na populao. Claramente, ele levar a melhor.

Ns como ambientalistas no temos sido to exitosos em transformar nossa linguagem ambiental numa linguagem de tomada de deciso. No caso que contei, o ministro da sade quer evitar que crianas bebam gua contaminada, e o ministro do MMA est provendo uma soluo para esse problema. Cada vez mais possvel demonstrar que a conservao da biodiversidade, das nossas florestas, realmente trazem benefcios para nossa sociedade. Mas precisamos botar isso na ponta do lpis e demonstrar pra sociedade esses benefcios. Transformar isso em coisas tangveis para as pessoas e os tomadores de deciso. No final das contas, a linguagem de tomada de deciso a linguagem econmico-financeira. E temos que conversar dessa forma. Eventualmente, chegaremos a um ponto daqui a cem, duzentos anos, em que as geraes vo dizer meu deus do cu que brutos que no conservaram a biodiversidade. Felizmente, ainda no estamos nesse ponto, mas em momento de evitar isso.

EXAME: O que todo brasileiro deveria saber sobre a Amaznia?

Platais: Como nossa conversa seguiu um vis econmico, eu diria que existe um potencial econmico gigantesco para o pas. Alm de toda beleza nica da sua biodiversidade, a floresta amaznica tem um valor absurdo, mas s quando ela est de p. Ento, devemos cuidar desse tesouro que temos, e explorar de forma sustentvel, com respeito ao meio ambiente, s comunidades locais e povos indgenas e que respeite o Brasil.

EXAME: O sr. pensa no futuro com otimismo ou pessimismo?

Platais: Para podermos continuar no planeta com os recursos que temos, precisamos buscar maneiras de ser menos agressivos no Planeta. No tenho a menor dvida de que ns somos uma espcie entre milhares de espcies e que a me natureza sabe o que faz. Quando alguma espcie est fora do eixo, ela d um jeito. Essa lgica desperta meu lado pessimista quanto ao futuro da humanidade.

Mas o meu lado otimista vem da criatividade, da inteligncia, da maneira pela qual buscamos solues. Um dos nossos fortes a capacidade de desenvolver empatia e amor. E acredito que isso pode nos levar pelo bom caminho. Mas s vezes s um desastre batendo na porta nos faz despertar. E o que o cientistas do IPCC esto falando h algum tempo que o desastre est batendo na porta.

Outras duas coisas fundamentais em tudo isso ter educao e sade, essenciais para o desenvolvimento social. Temos que investir nessas frentes no Brasil. Ter um povo sano e educado no tem quem para. Volto a dizer: precisamos de estadista. Pessoas que tenham viso e capacidade de olhar para o futuro, pensar em quais mudanas precisam ser feitas agora para chegar l, ter capacidade de negociao, de convencimento para enfiar no barco e realmente trilhar esse caminho.

No vejo isso hoje. Atualmente, os ciclos polticos so curtos, com governantes de interesses particulares, e isso no mundo todo. Veja esse aumento do populismo em vrios pases. E isso est muito ligado educao, ou falta dela. No Brasil, as pessoas votam porque so obrigadas a votar. Aqui nos EUA, no h obrigatoriedade e pouca gente vota. As pessoas tinham que ver a votao como uma responsabilidade civil e participar ativamente da sua comunidade. importante que cada cidado assuma esse papel. E com isso, enxergar a importncia e significncia que o meio ambiente tem para a sua boa vivncia e das prximas geraes.

O Brasil est numa posio de ouro. Tem que agarrar essa posio, abraar essa oportunidade e no deix-la passar, aproveit-la para impulsar o Brasil para a frente. um pas verde, que vai para frente abraando essa identidade. Alm disso temos um povo criativo, inteligente, precisamos de sair desse descanso e caminhar para frente. E a questo ambiental a ponta de lana disso tudo. Nesse mundo em que estamos vivendo, o Brasil tem muita a oferecer e muito a ganhar com isso.

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